Diversão

Amia

Meus olhos se abriram de repente, meu subconsciente se dissipando na escuridão enquanto eu acordava. Minha audição de lobisomem me permitiu captar o som de algo se quebrando no outro cômodo, seguido pelo grito abafado da minha mãe ecoando pelo pequeno corredor até o meu quarto. Meio adormecida, alcancei meu celular na mesa de cabeceira, tateando algo que caiu no chão. A tela se iluminou e me mostrou que faltava uma hora para o amanhecer.

A diversão estava começando.

Uma porta bateu, anunciando a chegada deles no quarto ao lado. Algo explodiu contra a parede à minha esquerda, meus instintos entraram em ação e eu cobri minha cabeça enquanto me abaixava. Meus olhos estavam apertados e eu rangia os dentes enquanto abaixava as mãos e endireitava as costas. Engoli o nó grosso na garganta e tentei me concentrar na chuva batendo contra o parapeito da janela.

Plic-ploc-plic.

Plic-ploc-plic.

Plic-ploc.

Me abaixei até ficar deitada na cama. O silêncio no meu quarto foi expulso quando vozes raivosas ecoaram pelas paredes, desceram pelo corredor e se infiltraram por baixo da minha porta. Meu quarto estava cheio do som do meu coração batendo nos meus ouvidos e da minha respiração pesada. Justo quando eu pensava que as coisas finalmente estavam se acalmando após alguns minutos de silêncio, ele foi interrompido pelos gritos raivosos dele, seguidos pelos soluços da minha mãe. Já perdi a conta de quantas vezes acordei com a briga deles no meio da noite.

Quando eu era pequena, o choro dela me deixava frenética. Minhas mãos tremiam e eu molhava a cama. Houve noites em que eu criava coragem para girar a maçaneta da porta e dar meu primeiro passo no corredor. De alguma forma, eu colocava um pé na frente do outro, caminhando pelo corredor. Eu corria até ela e me jogava em cima dela, envolvendo meus braços ao redor dela.

A imagem de mim, criança, tentando assumir o papel de mãe para minha própria mãe. Era o trabalho dela me proteger dele, não o meu de protegê-la. Eu tinha sido uma criança estúpida. Foram anos levando as surras por ela, incontáveis visitas ao hospital só para vê-la mentir para os médicos, e implorando para ela deixá-lo antes de perceber que era inútil. As súplicas, os pedidos, as brigas eram inúteis.

Minha mãe nunca o deixaria. Ela se importava mais com ele e suas necessidades do que com ela mesma. Ela o colocava antes de mim. Avançando para o presente, eu, adolescente, deito entorpecida na cama, envolta na escuridão, ouvindo ela implorar para o namorado parar. As razões para o abuso dele nunca faziam sentido. Ou não importavam.

Às vezes era porque ela demorava muito para pegar as bebidas dele na loja, ou porque ela dizia a coisa errada, outras vezes era porque ele estava tendo um dia ruim. Eu ri amargamente para mim mesma. Havia dias em que era por minha causa e pelo fato de eu não ser filha dele. Eram nesses dias que ele vinha me procurar. Ele batia na minha porta e- eu sacudi a cabeça e empurrei esses pensamentos para fora da minha mente. Isso não era hoje e eu não visitaria aquele inferno se não fosse necessário.

O som alto da mão dele encontrando a pele dela ressoou. Minha mãe chorava e eu mordia meu lábio até o gosto metálico do sangue encher minha boca. Eu já sabia o que aconteceria se eu fosse lá fora. Aconteceu tantas vezes antes que se desenrolava na minha frente como um filme. Eu a ajudaria, ele me bateria, e talvez quebrasse alguns ossos. Quando ele se sentisse melhor e me deixasse em paz, ela me daria remédios e me ajudaria a tomar banho. Justo quando eu pensava que tinha conseguido convencê-la, eu imploraria para ela ir embora e ela olharia nos meus olhos e diria não. Ela me deixaria sozinha, machucada e quebrada. Então não, eu não iria lá fora. Eu me recusava a me mover, me recusava a correr para resgatá-la, me recusava a levar as surras por ela, e me recusava a chorar por sua rejeição e por esse abuso maldito. Eu me recusava a ser como ela. Eu nunca marcaria ou deixaria um homem me marcar a menos que ele provasse ser o oposto de Greg.

Meu pai faleceu logo depois que eu nasci. Eu era muito jovem para ter memórias dele ou ficar triste com sua morte. Crescendo, eu pensava nele, me perguntava sobre ele e tinha perguntas. Toda vez que eu perguntava sobre ele para minha mãe, ela ficava com um olhar nos olhos. Eu nunca a vi olhar para Greg com aquele olhar. Quando criança, eu não gostava quando minha mãe chorava e não gostava de ser a razão pela qual ela ficava tão triste. Decidi parar de perguntar e aceitei que éramos só eu e ela.

Apesar da morte do meu pai, eu cresci amada e cuidada. Quando eu era pequena, ela me dizia que éramos eu e ela contra o mundo. Eu não precisava me preocupar com nada porque eu tinha ela. Eu não precisava de mais ninguém além dela, então guardei a palavra pai e nunca mais pensei nele. E éramos só eu e ela contra o mundo, até que não éramos mais.

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