Dois
Depois de colocar o Vovô na cama, voltei para a cozinha para limpar, deixando-o conversando com o Theo. Os pratos e panelas do jantar ainda estavam no balcão, zombando de mim. Peguei um pano de prato e comecei a esfregar uma mancha teimosa, tentando ignorar o peso no meu peito. Não era só sobre a louça—era a noite, o peso de tudo, e, acima de tudo, o Theo.
Ouvi seus passos atrás de mim antes de ele falar. "Ella, estou indo embora," Theo disse, sua voz afiada e definitiva.
Virei-me para olhá-lo, minhas mãos ainda molhadas da água com sabão. "Fica mais um pouco, Theo. Faz meses que não temos uma conversa decente."
Ele gemeu, verificando a hora no celular. "Ella, tenho que acordar cedo amanhã. Reuniões. Você sabe como é."
Coloquei o pano de prato de lado, cruzando os braços sobre o peito. "Eu sei, mas só alguns minutos. Me ajuda a secar e guardar esses pratos, e a gente conversa."
Theo ergueu uma sobrancelha, sua expressão de descrença. "Eu? Ajudar com a louça? Ella, estou usando Armani. Você sabe quanto custa esse terno?"
"E mesmo assim, você comeu com ele," retruquei, pegando o pano de secar e entregando para ele. "Você vai sobreviver. Agora me ajuda."
Ele suspirou dramaticamente, balançando a cabeça como se eu estivesse pedindo para ele mover montanhas. "Tá bom," disse, pegando um prato para secar. "Mas você tem sorte que eu te amo."
Sorri levemente, observando enquanto ele, a contragosto, começava a secar os pratos. Apesar do drama, era bom tê-lo aqui, mesmo que fosse só por alguns minutos.
Enquanto trabalhávamos, olhei para ele. "Theo, eu queria falar com você sobre as contas médicas do Vovô. Estão ficando caras, e com a terapia de oxigênio e os novos medicamentos—"
"Eu não tenho dinheiro agora," Theo interrompeu, seu tom cortante. Ele colocou o prato na bancada com mais força do que o necessário, o som ecoando na cozinha silenciosa.
Franzi a testa, olhando para o relógio brilhando em seu pulso. "Sério? Você não tem dinheiro? Porque esse relógio que você está usando diz o contrário."
O maxilar de Theo se contraiu enquanto ele se virava para me encarar completamente. "É por isso que você tem me ligado tanto ultimamente? Por que você apareceu no meu escritório sem avisar? Para me fazer sentir culpado e me dar dinheiro?"
Pisquei, surpresa pela acusação. "Tenho te ligado porque nunca te vejo mais, Theo. Você mora na mesma cidade que a gente, mas parece que está a milhões de quilômetros de distância. O Vovô sente sua falta. Eu sinto sua falta."
Ele bufou, jogando o pano de prato no balcão. "Ao contrário de você, Ella, eu tenho um trabalho de verdade. Um que é importante. Não posso simplesmente largar tudo para brincar de família feliz."
As palavras me atingiram como um tapa. Senti meu estômago revirar, mas me recusei a deixar a dor aparecer no meu rosto. "Um trabalho de verdade? É isso que você pensa, Theo? Que eu não trabalho duro? Posso ser costureira, mas é esse trabalho 'sem importância' que pagou pela sua educação. Ou você esqueceu disso?"
O rosto de Theo escureceu, sua boca se abrindo como se fosse retrucar, mas continuei. "Não estou pedindo para você 'brincar de família feliz,' Theo. Estou pedindo sua ajuda. O Vovô está piorando. Ele precisa de mais cuidados, mais remédios, e eu não consigo fazer tudo sozinha."
Por um momento, Theo apenas ficou ali parado, sua expressão indecifrável. Então, sem dizer uma palavra, ele tirou o talão de cheques do bolso do paletó, rabiscou algo e arrancou um cheque. Ele o jogou no balcão entre nós, o som do papel batendo na superfície parecia mais pesado do que deveria.
"Aqui," ele disse, sua voz fria. "Pegue. Espero que seja suficiente para você."
E com isso, ele pegou o casaco e saiu da cozinha, batendo a porta atrás de si.
Fiquei ali por um momento, olhando para o cheque no balcão. Minhas mãos tremiam enquanto eu o pegava, lágrimas ardendo nos meus olhos. Eu odiava isso - odiava que tivesse chegado a esse ponto. O Theo que eu conhecia, o garoto que fazia o Vovô rir até doer a barriga, tinha desaparecido. Substituído por alguém que eu mal reconhecia. Eu não conseguia mais reconhecer meu irmãozinho.
Engoli em seco, limpando os olhos antes que as lágrimas caíssem. Então ouvi o som de tosse vindo do quarto do Vovô - tosses profundas e dolorosas que fizeram meu coração apertar. Corri pelo corredor e abri a porta do quarto dele.
Vovô estava sentado na cama, com a mão pressionada no peito enquanto lutava para recuperar o fôlego. Seu tanque de oxigênio chiava levemente ao lado dele, mas não parecia estar ajudando o suficiente.
"Vovô!" Corri para o lado dele, sentando na beira da cama e segurando sua mão. "Você está bem? Precisa de mais oxigênio?"
Ele balançou a cabeça devagar, a tosse diminuindo após um momento. Seus olhos, lacrimosos e cansados, encontraram os meus. "Estou bem, Ella," ele disse roucamente. "Eu só... ouvi gritos."
Eu hesitei, não querendo preocupá-lo mais do que ele já estava. "Não foi nada, Vovô. Apenas... Theo e eu tivemos uma pequena discussão. Está tudo bem."
O aperto do Vovô em minha mão se intensificou levemente, seu olhar procurando o meu. "Theo," ele murmurou, balançando a cabeça. "Ele é um bom garoto, mas perdeu o rumo."
Engoli o nó na garganta, forçando um sorriso. "Ele está apenas... ocupado. Só isso. Ele vai se acertar."
Vovô suspirou, sua expressão cansada. "Ella, me prometa uma coisa."
"Qualquer coisa," eu disse imediatamente.
"Cuide do Theo," ele disse, sua voz quieta, mas firme. "Mesmo quando eu não estiver mais aqui. Ele pode ser adulto, mas ainda é uma criança de muitas maneiras."
"Não fale assim, Vovô," eu sussurrei, piscando para conter as lágrimas. "Você não vai a lugar nenhum."
Ele me deu um sorriso fraco, seus olhos cheios de uma tristeza que eu não suportava ver. "Todos nós temos que partir algum dia, Ella. Apenas me prometa que cuidará dele. Ele precisa de você mais do que imagina."
Eu assenti, minha garganta apertada demais para falar. Inclinei-me para frente e beijei sua testa, o cheiro familiar do seu pós-barba misturado com o leve cheiro medicinal do tanque de oxigênio.
"Eu vou cuidar dele, Vovô," eu sussurrei. "Eu prometo."
Ele sorriu novamente, seus olhos se fechando enquanto ele afundava nos travesseiros. Fiquei ali por um tempo, segurando sua mão e ouvindo o ritmo constante de sua respiração. Pensei em Theo, no garoto que ele costumava ser e no homem que ele era agora. Não importava o quanto ele me afastasse, não importava o quanto ele tentasse fingir que não precisava de nós, eu sabia, no fundo, que ele ainda era meu irmãozinho.
