Prólogo

Sandie olhou para o bebê dormindo em seus braços e sentiu várias emoções. As duas mais fortes eram raiva do homem que a estuprou aos quinze anos e tristeza por não poder ficar com sua filha. Ela vivia na rua e sabia por experiência que não era lugar para uma criança.

Quando descobriu que estava grávida, Sandie conversou com o médico da clínica gratuita para ver quais opções tinha. Decidiu que o melhor a fazer era colocar seu bebê para adoção. Foi uma das decisões mais difíceis que já tomou, mas sabia que era o melhor. Sua filha teria uma boa vida com uma família amorosa.

Sandie olhou para o rosto de sua filha e se perguntou se ela teria o mesmo cabelo ruivo e olhos verdes que ela. Ela conheceu os pais que estavam adotando seu bebê e sentiu confiança de que eles dariam um bom lar para ela.

"Se eu pudesse te manter segura, eu te levaria comigo. Não tenho casa, nem dinheiro, e nenhuma maneira de cuidar de você. Só quero o melhor para você, e espero que isso não seja um adeus para sempre. Quero te ver de novo quando você estiver pronta. Eu te amo, minha pequena." Sandie beijou a cabeça do bebê enquanto suas lágrimas caíam silenciosamente.

Quando houve uma batida na porta, Sandie começou a soluçar. Era hora de entregar seu bebê. Ela insistiu em ter uma adoção aberta, para que, se sua filha quisesse encontrá-la mais tarde, pudesse. Ela beijou a bochecha macia e abraçou sua pequena enquanto chorava. A única coisa que lhe dava conforto era a esperança de que talvez pudesse ver aquele rostinho de anjo novamente algum dia.


Dezesseis anos depois...

Kittana, de dezesseis anos, estava correndo pelas ruas, tentando fugir de seu pai adotivo. Ela tinha acabado de se mudar para essa família, e depois da primeira noite, sabia que precisava sair dali. Enquanto todos tomavam café da manhã, ela jogou suas coisas de volta no saco de lixo em que as trouxe.

Kittana achou que tinha conseguido sair sem ser vista, mas assim que pulou da varanda da frente, ouviu Peter gritar por ela. Ela não olhou para trás enquanto corria o mais rápido que podia para longe da casa. Ele tentou tocá-la quase assim que ela chegou à casa ontem. A única coisa que o impediu foi sua esposa entrando na sala e batendo em Kittana por tentar seduzir seu marido.

Kittana era baixa e pequena, com um metro e meio de altura. Tinha longos cabelos castanho-avermelhados, olhos verde-claros e uma pele branca cremosa. Ela estava em lares adotivos desde os quatro anos e sabia identificar uma situação ruim. Sabia que essa família não era uma com a qual queria ficar.

Kittana foi adotada quando bebê, mas seus pais adotivos se divorciaram. Nenhum quis ficar com ela, então ela foi colocada no sistema de adoção. Ela nem conseguia lembrar como eles eram ou seus nomes. Kittana foi passada por tantas casas que perdeu a conta, e os rostos daqueles com quem viveu se misturavam.

Enquanto continuava correndo pela rua, Kittana arriscou um olhar para trás e percebeu que Peter não a estava mais seguindo. Ela entrou na loja de conveniência mais próxima e pediu para usar o telefone. O caixa hesitou, mas quando Kittana lhe deu um sorriso doce, ele cedeu. Ela discou o número de Sarah, sua assistente social.

"Alô?" Sarah atendeu ao telefone.

"Sarah, é a Kitty. Essa casa não vai dar certo. Peter começou a me tocar, e Violet me bateu porque disse que a culpa era minha." Ela parou de falar, sabendo que Sarah não ficaria feliz com ela por ter fugido.

"Kitty, onde você está agora?" Sarah suspirou. Ela esperava que essa casa fosse um bom lugar para Kitty. Peter e Violet tinham boas avaliações e já haviam acolhido muitos adolescentes.

"Estou em uma loja a alguns quarteirões de distância. Peter me perseguiu, mas consegui escapar. Você pode me buscar ou quer que eu vá até você?" Kittana observou enquanto o jovem atrás do balcão se virava para atender um cliente. Ela colocou alguns chocolates no bolso do casaco enquanto ele estava ocupado.

"Eu vou te buscar. Qual é o nome da loja?" Kittana deu o nome e concordou em ficar lá até Sarah chegar.

Sarah pegou sua bolsa e chaves antes de sair pela porta. Ela era assistente social de Kittana há mais de dez anos e cuidava dela como uma irmã mais nova.

Quando Sarah parou em frente à loja, Kitty correu para fora. Sarah sorriu enquanto Kitty pulava no carro, entregando-lhe uma barra de chocolate. Ela nem se deu ao trabalho de perguntar como Kitty conseguiu aquilo, pois tinha certeza de que não gostaria da resposta.

"Obrigada, Sarah. Você sabe que eu não aguento mais um canalha como aquele. Já foram muitos. Talvez seja melhor eu viver na rua por um tempo." Kitty olhou pela janela enquanto dirigiam em direção ao escritório de Sarah. Ela não se importava em sobreviver na rua; era melhor do que algumas das casas em que foi colocada.

"Kitty, vou tentar evitar que isso aconteça. Sinto muito pelo que Peter e Violet fizeram. Vou iniciar uma investigação. Se fizeram isso com você no primeiro dia, tenho certeza de que fizeram com outros." Sarah olhou para Kitty e viu lágrimas em seus olhos. Não conseguia imaginar como ela se sentia, achando que não havia um lugar seguro para ir.

"Sarah, quando eu ficar mais velha, você acha que valeria a pena tentar encontrar meus pais biológicos? Gostaria de saber de onde vim e por que não me quiseram." Kitty continuou olhando pela janela enquanto dirigiam por São Francisco.

Ela pensava muito em seus pais, mas nunca falava sobre eles. Kitty não sabia por que a abandonaram como se fosse nada. Ela tinha visto crianças sendo tiradas das casas dos pais por causa de abuso ou drogas, mas pelo menos os pais queriam elas. Seus pais a deram quando era bebê. Kitty pensava que talvez houvesse algo de errado com ela, por isso ninguém a queria.

"Essa é uma decisão que só você pode tomar. Às vezes, as circunstâncias estão fora do controle dos pais. Se você quiser procurá-los, precisa estar preparada para vários cenários. Eles podem não querer ser encontrados ou aceitar seu contato. É possível que não estejam mais vivos. Qualquer coisa pode acontecer, mas eu te apoio totalmente em querer saber de onde veio."

Kitty pensou no que Sarah disse e decidiu que queria encontrar seus pais, independentemente do resultado. Se eles não quisessem nada com ela, pelo menos ela teria tentado. Esperava que eles se arrependessem de tê-la abandonado e quisessem fazer parte de sua vida.

Kitty sentou-se em uma das cadeiras na área de espera da agência de adoção. Ela podia ouvir Sarah discutindo com seu gerente, e Kitty sabia que era sobre ela. Não se importava, desde que não tivesse que voltar para aquela casa. Sarah saiu do escritório e foi até Kitty.

"Kitty, venha comigo." Sarah a fez segui-la até seu escritório, onde fechou a porta.

"Não temos outras casas disponíveis no momento. Você terá que ir para o centro de detenção até que algo se abra ou voltar para a casa de Peter e Violet." Sarah não contou a Kitty que a discussão com seu gerente foi sobre levá-la para casa. Mesmo morando em um pequeno apartamento, era melhor do que algumas das alternativas.

"Vou para o centro de detenção. Pelo menos lá tem alguma ordem, e basicamente todos me deixam em paz." Kitty não precisou pensar muito para tomar sua decisão.

Ela já havia sido estuprada por homens e mulheres nas diferentes casas em que ficou. Kitty foi agredida de tantas maneiras com vários objetos que nem conseguia nomeá-los todos. Ela pensava no centro de detenção quase como uma prisão para crianças adotivas sem lar. Ainda assim, era melhor do que voltar para a casa de Peter e Violet.

Sarah levou Kitty ao centro de detenção com um nó no estômago. Ela odiava levar crianças para lá. Normalmente, era reservado para crianças com problemas de comportamento que causavam danos aos pais adotivos, outras crianças ou a si mesmas.

Às vezes, crianças como Kitty acabavam lá quando não havia outro lugar para elas. Sarah sabia que Kitty já tinha estado lá várias vezes e nunca reclamou, mas deixá-la ainda partia seu coração. Depois de deixá-la, Sarah voltou ao escritório enquanto Kitty passava pelo processo de admissão.

Tarde da noite, Kitty estava deitada em sua cama olhando pela pequena janela alta na parede. Ela tinha muitos sonhos para o futuro, mas o mais importante era sobreviver. Se conseguisse chegar ao seu décimo oitavo aniversário, estaria livre do sistema de adoção e por conta própria. Faltavam apenas vinte e dois meses, e ela estaria livre.

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