1. Deixar doer até não doer mais?

RIVER

Encarando o governante, ele não conseguia superar os pensamentos que não saíam de sua mente nos últimos anos. O tempo voava, e ninguém tinha o direito ou o poder de pará-lo, mesmo que guiado pelas melhores intenções. Ultimamente, o homem visitava seu amigo com mais frequência, buscando conselhos, agarrando-se a qualquer pedaço de informação que pudesse aliviar sua mente.

"Noah se tornou um jovem bastante interessante. Você está planejando ter outro filho, ou a Ally está te dando trabalho?" River riu. Não importava o quanto ele tentasse aliviar a tensão entre eles - cada tentativa parecia inútil, falhando antes mesmo de seus lábios se abrirem. Ao cutucar Wrath, ele esperava que o tema principal da conversa não fosse ele novamente. Às vezes, era melhor distrair um amigo do que confessar o medo que você não deveria sentir.

"Você a conhece melhor do que eu. Minha esposa me fez café esta manhã e piscou para mim quando me entregou a xícara. Nunca tive tanto medo de uma bebida em toda a minha vida." Darius riu, olhando de soslaio para a porta da biblioteca. Sua esposa tinha o hábito de aparecer do nada sempre que alguém mencionava seu nome, e lidar com a raiva dela não era a parte do dia que ele mais gostava. De vez em quando, ele se perguntava como eles acabaram ligados como companheiros - especialmente depois de todos esses anos; ela era a única que conseguia fazer seu sangue ferver. Partir para guerras parecia mais fácil do que brigar com Ally. Wrath suspirou e balançou a cabeça: "Eu adoraria ter mais filhos; a Deusa sabe o quanto eu amo aquela mulher e como adoro a família que construímos. Seria maravilhoso ter mais um membro, mas não acho que isso vá acontecer. Carregar Noah foi um verdadeiro inferno para ela; tenho certeza de que você se lembra de como ela ficou fraca. Quase perdi minha esposa, e apesar do amor que sinto por aquele filho, não arriscaria a vida dela por outro. Enfim, vamos mudar de assunto, não estou no clima para essas conversas. Devo perguntar como você está agora, ou devemos tomar um copo de uísque primeiro?" Darius colocou a mão no ombro do amigo, apertando-o um pouco para mostrar que estava ali para Sloth.

"Ainda não consigo ir lá. Talvez eu pudesse, já se passaram anos, mas não consigo me forçar a entrar no castelo." River suspirou, apertando os olhos na tentativa de lembrar do sorriso de sua companheira. Sua memória mais vívida do rosto dela era da festa de aniversário - o choque, o terror, a surpresa e o medo enquanto ele tinha que vê-la partir. Está se tornando difícil ultimamente, já que o pecado mortal não teve a chance de se aproximar de sua companheira por seis anos. Talvez, naquela época, ela não soubesse por que ele tinha que ir, mas deixá-la no escuro era melhor - para ela.

A vida deles era linda no começo. Sloth e Bea se tornaram mais próximos do que qualquer amigo de infância - em um ponto, ninguém conseguia separá-los. Eros e Eve apreciavam sua paciência com a filha, o amor, o carinho e a atenção que ele dava sem pedir nada em troca. Mesmo depois que o jovem Príncipe nasceu, eles não se importavam que River estivesse sempre por perto, tirando o pouco tempo que os pais tinham com sua filha do meio.

Tudo estava perfeito até que um novo servo entrou no castelo e levantou suspeitas, sendo alvo de nada menos que o pecado mortal. Por algum motivo, River não conseguia se sentir completamente confortável sempre que o servo estava por perto, seus sentidos se aguçando quando Bea estava próxima. Depois de algumas semanas, o servo foi declarado seu inimigo, mesmo com as alegações do Rei e da Rainha de que o novo empregado era inofensivo.

Foi no dia em que Bea completou oito anos - o Reino celebrava o aniversário da Princesa, seus pais organizando uma grande festa no castelo. Todos foram convidados - desde a realeza até os servos, não importava quem fossem; cada metamorfo tinha a chance de passar pela corte, participar da festa ou parabenizar a jovem Princesa. A atenção dada a Bea foi tirada dela por ninguém menos que seu companheiro secreto. Sloth perdeu o autocontrole e matou o homem bem na frente de todos. Depois de todo esse tempo, ele ainda não conseguia lembrar o motivo de seu surto de raiva, mas o homem não podia voltar no tempo, mesmo que quisesse. Talvez seus pais pudessem perdoá-lo se ele não tivesse despedaçado o homem, lentamente, torturando sua vítima enquanto sua risada maligna ecoava pelas paredes do castelo.

"Minha companheira não sabe quem eu sou - ela não tem ideia de toda essa besteira de pecado mortal ou do vínculo. Como eu poderia voltar lá, sabendo que ela pode ter medo de mim? Não há chance de que ela não tenha ouvido falar das minhas ações. Eu deveria estar lá para ela, protegê-la de qualquer perigo. Amá-la mais do que já amei alguém. No entanto, estou desperdiçando seu tempo aqui ou vagando por lugares desconhecidos, tentando encontrar paz. Como eu poderia encontrá-la?" River balançou a cabeça em negação. Por anos, ele tentou entender suas ações, a razão por trás de seus atos. Mas sem sucesso.

"Dar tempo a eles? Deixar doer até não doer mais?" Darius tentou encorajar seu amigo muitas vezes, mas ultimamente, tem sido extremamente desafiador ver River como ele costumava ser. Wrath não estava lá quando o acidente aconteceu; ele não ouviu nada além de rumores sobre o banho de sangue que seu amigo causou. Em sua opinião, o maior problema era como todos descreviam vividamente o assassinato, enquanto Sloth seria o único a matar alguém como um pecado, não como um metamorfo.

O pecado mortal olhou para Darius, tentando ao máximo fingir um sorriso, mas apenas o canto de seu lábio mal se mexeu. Ele balançou a cabeça e se aproximou preguiçosamente do sofá perto da janela da biblioteca. O homem só podia imaginar quantas vezes, e por quanto tempo, ele havia dormido naquele sofá, que era a principal razão pela qual seu amigo o comprou em primeiro lugar. Sentando-se, seus olhos caíram no chão de mármore, focando no padrão de rachadura falsa. "Tenho pensado muito ultimamente, especialmente sobre ela. Explicar-me não vai funcionar, já que o dano está feito, e não importa quais eram minhas intenções, eu matei alguém na frente dos olhos da mãe dela no maldito aniversário dela. Ela tem quatorze anos agora, um pouco mais crescida, mas ainda uma criança. As memórias mais lúcidas dela envolverão as paredes que pintei com o sangue daquele servo. No fundo, Bea sabe quem eu sou, ela sabe como eu pareço, mas depois daquele maldito dia, ela vai assumir que sou outra pessoa. Que eu posso fingir quem sou na superfície. Não posso escapar do tempo, Darius; não posso fazê-lo parar. Dois anos. Dois malditos anos e ela estará lá fora, procurando por seu companheiro, mais cedo ou mais tarde recebendo a notícia decepcionante. Isso se o Rei e a Rainha não decidirem que casá-la com algum monarca pode ser o melhor desfecho de toda essa confusão. Vou carregar as cicatrizes de tudo o que fiz, mas engraçado o suficiente, ao contrário do padrão no seu chão, essas não vão me fazer parecer bonito ou atraente. As pessoas têm imperfeições perfeitas, enquanto as minhas me arruinaram e qualquer chance que eu possa ter no futuro. Estou cansado de pensar, planejar, relembrar memórias. Este é o fim, meu amigo."

"Você não pode desistir; simplesmente não pode. Olhe para Ally e eu - ainda brigamos, temos nossas diferenças e coisas que não conseguimos superar, mas ainda estamos aqui, lutando lado a lado. O mesmo dia virá para você e Bea, dê um pouco de fé a ela, dê isso aos pais dela." Darius sabia que desistir não era a decisão certa. O governante do Submundo teve que passar por um período bastante difícil, e mesmo depois de todos esses anos, nada ficou mais fácil.

"Eu já dei a eles o benefício da dúvida suficiente. Não estou desistindo; estou deixando ir." River escondeu o rosto atrás das palmas das mãos, encontrando a escuridão acolhedora ao fechar os olhos. Não era o fim de sua vida, mas parecia que ele havia perdido tudo pelo que viver.

"O que você vai fazer? Rejeitá-la?" Wrath queria ser o homem que se sentiria mal pela possível rejeição. Por mais que ele amasse sua esposa e a família dela, o homem não se importava com o vínculo de companheiro quebrado. No entanto, ele se importava com seu único verdadeiro amigo e aliado. River pode ser um pecado mortal, preguiçoso como o Inferno, arrastando tantas almas infelizes com ele, mas o homem nunca esteve tão miserável - tão machucado, que você podia ver a dor e o sofrimento em seus olhos.

"Bem pelo contrário - vou esperar," Sloth sussurrou.

"Esperar o quê? Onde? Sloth, você está me confundindo - todo esse tempo, você ficou vagando por aí, incapaz de encontrar um lugar para se estabelecer. E agora você vai esperar?" Darius beliscou a ponte do nariz, cansado demais para juntar suas palavras e chegar a conclusões.

"Sim, até ela completar dezesseis anos."

"Para quê? Pelo amor de Deus, o que você vai esperar? Espere aí; você vai desperdiçar sua única chance real de felicidade?" Darius sentiu como se seu sangue fervesse de raiva. O homem não deixaria seu amigo desistir tão cedo; ele não podia vê-lo destruir tudo em que acreditava, mesmo por uma companheira. Sloth começou a desaparecer, conscientemente construindo o caminho para a autodestruição.

"Para o dia em que ela me encontrar. Para o dia em que eu puder ver a mulher em que ela se tornou e admirá-la pela última vez. E para a rejeição. Eu não a afastaria; não poderia roubar sua felicidade. Mas... Mas eu posso deixá-la terminar. Talvez um dia ela entenda que ela era a melhor parte."

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