


Contido
Sara respirava calmamente, tomando cuidado para não fazer nenhum som que pudesse alarmar alguém. Os corredores estavam realmente desertos, mas seu silêncio vazio apenas amplificava o som de sua respiração e passos. Ela, que escolheu ir descalça para a missão a fim de minimizar o barulho que poderia fazer, se perguntava se não era apenas o medo de ser pega que estava pregando peças em sua mente, pois sabia que não deveria nem tinha permissão para estar naquela seção da torre. O sangue corria em suas veias com uma mistura de estranheza e excitação. Ela nunca havia feito nada parecido antes, e uma grande parte, a parte sã e racional de sua mente, dizia para parar com essa bobagem e voltar para seu quarto antes que fosse tarde demais, enquanto uma parte menor, uma parte rebelde que ela nem sabia que existia até agora, dizia que se ela queria respostas, então era melhor procurá-las por conta própria.
Ela já havia perdido dezessete anos de sua vida vivendo como um fantasma, um ninguém. As pessoas ao seu redor agiam como se ela não estivesse lá, como se fosse invisível e viviam suas vidas de acordo com isso. No início de sua infância, costumava implorar para que os outros brincassem com ela, conversassem com ela ou simplesmente a notassem, mas com o tempo, percebeu que era inútil e decidiu desempenhar seu papel, a garota perfeita que fazia exatamente o que lhe mandavam. Seu pai sempre ficava satisfeito com seu comportamento, sabendo que ela era uma garota fácil de lidar que seguia as regras e fazia o que lhe mandavam, mas isso só levou os outros a lentamente se esquecerem dela.
Sua vida não era nada além de um círculo vazio, sem ninguém dentro além dela mesma, desaparecendo em uma torre cheia de sacerdotes devotos que a tratavam como um pecado ambulante, como se ela já não soubesse que era um.
Sara deslizou o capuz cinza um pouco mais para baixo, certificando-se de que seu rosto e cabelo estavam perfeitamente escondidos debaixo dele. Esta era a primeira vez que fazia algo por si mesma e por seu próprio bem, sua identidade era dela; ela tinha todo o direito de saber quem era e iria descobrir, de um jeito ou de outro.
Sara era grata a Patrick, pois foi ele quem lhe forneceu aquele manto, o mesmo que os sacerdotes usavam. Ela desejava que o tecido fosse de melhor qualidade, os sacerdotes certamente não tinham os mesmos luxos que ela, mas pelo menos tinham sua liberdade, suas identidades, algo pelo qual Sara estava disposta a abrir mão de tudo o que tinha.
Certificando-se de que ninguém estava por perto, Sara se esgueirou para dentro da biblioteca restrita, com as palavras de Patrick repetindo em sua mente.
"Escute com atenção, Senhorita, há uma razão para aquela seção ser restrita. Veja, nem todo conhecimento é feito para ser compartilhado e conhecido, alguns conhecimentos são perigosos e nos trazem nada além de destruição e caos. No entanto, o conhecimento é a maior bênção dos Deuses para nossa espécie, e uma bênção deve ser valorizada e preservada, longe de mãos curiosas que possam usá-lo para atos malignos. Bem ali, na seção restrita, você encontrará milhares de livros, pergaminhos, registros e folhas, mas o mais importante, você encontrará os registros reais, aqueles que mantêm o controle de todas as crianças Yoren, legítimas ou não, com detalhes sobre seu pai ou mãe não Yoren. A identidade de sua mãe, e a sua também, deve estar lá. No entanto..."
Sara agora estava enfrentando aquele "no entanto" enquanto conseguia sair furtivamente de seu quarto. Patrick deixou a porta aberta para que ela pudesse sair à noite, quando todos estivessem dormindo. A seção restrita estava localizada na parte mais distante da biblioteca, trancada com barras de ferro e correntes pesadas. Ela precisava espremer seu corpo entre as barras sem fazer barulho. Felizmente, era outra noite tempestuosa com chuva generosa e trovões. Sara se certificou de tentar passar pelas barras apenas quando o trovão rugia no céu, para mascarar o barulho que as barras enferrujadas faziam ao serem ligeiramente movidas. Não era a tarefa mais fácil, mas Sara era naturalmente flexível e de constituição delgada, e após algumas tentativas, finalmente conseguiu passar para o outro lado das barras, encontrando-se diante de dezenas e dezenas de estantes de conhecimento esquecido...
Sara, com uma pequena vela na mão, olhou para as estantes por alguns segundos, sentindo-se completamente perdida. Ela não sabia onde procurar e Patrick esqueceu de lhe dizer que a seção restrita era tão grande. Caminhando silenciosamente entre as estantes, Sara observava os livros ao seu redor, muitos pareciam muito antigos e desgastados. Considerando que os registros que ela procurava não eram mais velhos do que ela, decidiu ignorar os tomos antigos e focar apenas nos mais novos. No entanto, a tarefa não ficou mais fácil, pois havia milhares de livros e pergaminhos a serem verificados, alguns escritos em caracteres estranhos que ela não conhecia.
Sabendo que não tinha tempo a perder, Sara começou sua busca, lendo os títulos aleatórios um por um, sem notar a sombra que a observava por trás com um sorriso sinistro.
Movendo-se de uma estante para outra, Sara parou em uma prateleira específica que continha um único livro. Ela se perguntou se a palavra livro poderia ser usada para descrever o enorme tomo. Ao contrário do restante do conteúdo da seção, este livro mal tinha poeira, e a encadernação também chamava a atenção, pois era feita de couro escuro, o mais escuro que ela já havia visto, assim como as páginas. Sara pensou consigo mesma enquanto estendia a mão, curiosa sobre o livro estranho, mas foi interrompida no meio do caminho pelos sussurros inesperados.
"Eu não tocaria nisso se fosse você, Senhorita..." Sara quase pulou de susto, virando-se rapidamente. Ela olhou perplexa para seu amigo que saiu das sombras. A perplexidade se transformou em suspeita e cautela. Ela não sabia exatamente o quê, mas algo no tom dele a alarmou. Não era sua voz amigável de sempre, nem sua postura habitual, e a maneira como ele a olhava não era a mais inocente nem tranquilizadora.
"Padre Patrick, o que você está fazendo aqui?" Com sua pergunta cautelosa e sussurrada, o sacerdote riu enquanto se aproximava dela com passos perigosos, como um predador avançando em direção à sua presa.
"Estou aqui para matar você..."