


Pai e filha
Sara olhou para seu pai que partia com um sorriso radiante, acenando feliz para ele, enquanto os primeiros raios de sol iluminavam seu corpo. A visão era verdadeiramente majestosa aos olhos. O rei acenou de volta, prometendo visitá-la mais cedo do que o esperado, com muitos presentes e guloseimas. Sara era grata ao pai, que não suportava deixá-la triste. Aqueles poucos minutos extras que ele passou com ela, apenas a abraçando e dizendo o quanto a amava, iluminaram sua manhã e aliviaram o peso em seu coração por um tempo. Mas, assim que ele partiu e saiu de vista, o sorriso desapareceu de seu rosto, sendo substituído por uma expressão amarga.
Sara desejava ter coragem suficiente para dizer ao pai que não queria presentes nem guloseimas. Que ela era grata por todo o amor, tempo e cuidado dele, mas que isso não era suficiente. Ela, como qualquer outro ser humano, queria uma vida, uma vida normal onde pudesse ter família e amigos, pessoas com quem conversar, um papel a desempenhar, um impacto a deixar. Ela queria se sentir necessária, que sua presença importava e tinha peso. Em vez de ser tão insignificante e vazia.
Voltando para dentro da cabana, Sara foi até a mesa para pegar os utensílios usados. Pegando o prato de prata, ela olhou para seu reflexo nebuloso. E por um breve segundo, ela não conseguia diferenciar entre ela mesma e o prato. Sentia-se mais como um objeto do que como um ser humano. Assim como o prato, ela não tinha controle sobre sua própria vida, nenhuma contribuição ou opinião na tomada de suas próprias decisões. Era movida de um lugar para outro, usada, direcionada e colocada exatamente onde seu pai queria. Nunca lhe perguntavam o que pensava sobre assuntos importantes, nem mesmo aqueles que a afetavam diretamente.
Sara suspirou tristemente enquanto juntava os utensílios em um balde grande. Lembrando-se da última vez que teve coragem de "insistir" um pouco em ir morar no castelo, onde sua família estava. Seu pai perdeu a paciência com ela, gritou e virou a mesa do jantar. Disse que eles não eram sua família e que ela deveria esquecer completamente o assunto e não ousar pensar nisso novamente. Aquela noite terminou com muitos soluços e desculpas que não conseguiram curar a ferida em seu coração...
Sara sabia que seu pai só queria protegê-la. O amor dele por ela era inquestionável. Mas de quê exatamente era a sua pergunta. Ele sempre dizia que o mundo lá fora era um lugar perigoso, que as pessoas podiam ser extremamente vis e malignas, que a vida era cruel, especialmente com os demônios à espreita por aí. No entanto, Sara não conseguia acreditar no que ele dizia. Se o mundo fosse realmente tão perigoso como seu pai afirmava, então como as pessoas viviam nele normalmente? E mesmo que fosse tão perigoso, ela queria experimentar isso por si mesma, sofrer como os outros se fosse necessário, sentir o desespero e a luta do dia a dia, desde que fosse sua escolha, sua própria vontade. Ela queria a liberdade de escolher seu próprio caminho.
Com vontade de se esbofetear, Sara terminou de limpar os utensílios usados antes de voltar para a porta para cuidar de seu pequeno jardim. Fazia seis meses que ela havia vindo morar naquela cabana. Seu pai não perdeu tempo em tirá-la da torre sagrada após todo o incidente com Patrick. Eles se mudaram de uma residência para outra, seguidos por poucos guardas apenas. Mas nenhuma delas era segura, houve várias tentativas contra sua vida, e alguém até tentou incendiar a mansão em que ela estava. Sem mencionar o demônio que continuava a rastreá-la, que era a principal razão para suas constantes mudanças.
Sara estremeceu de medo ao lembrar dos olhos vermelhos. O horror que sentiu ainda estava vivo em um pequeno canto no fundo de sua mente. Sara não sabia que um demônio a estava rastreando até ouvir os guardas falando sobre isso. Os pesadelos com aqueles olhos nunca pararam de assombrá-la, pelo menos até ela vir morar naquela cabana...
Sara pensava enquanto olhava para o lugar onde estava vivendo nos últimos seis meses. Seu pai lhe disse que aquela cabana era abençoada pelos Deuses, e ela não podia deixar de acreditar nisso. Havia, de fato, algo estranhamente benevolente sobre o lugar. A cabana foi construída não muito longe da floresta escura, mas nenhum demônio jamais se aproximou dela, nem de toda a milha ao seu redor. Seus pesadelos com os olhos pararam desde o dia em que chegou ali, o que só podia significar que o demônio havia perdido seu rastro.
Não era um lugar ruim, ela disse a si mesma enquanto pegava um cesto e um balde, depois de jogar uma capa sobre os ombros dentro da cabana, e caminhava em direção à floresta. Ela precisava de mais água do rio próximo e esperava encontrar algumas frutas silvestres e cogumelos no caminho, ou até mesmo algumas ervas medicinais selvagens, já que era tão apaixonada por estudos de medicina. Da última vez, teve a sorte de encontrar algumas flores silvestres com aromas incríveis e não pensou duas vezes antes de arrancar algumas para replantar em seu pequeno jardim. Era uma das coisas boas sobre aquela cabana, assim como a capacidade de sair enquanto o sol estivesse no céu. No entanto, ela não via um único ser humano além de seu pai desde que foi levada para lá, nem mesmo um guarda real que sempre seguia seu pai. Sentia-se como se estivesse em um canto abandonado do mundo. Abandonada era a palavra-chave. Estava segura e protegida, mas também solitária e abandonada, e nunca feliz...
Sara chegou ao rio, que estava cheio de peixes. Ela tirou a capa, arregaçou as mangas e a parte inferior do vestido. Suas pernas longas e sedosas refletiam a luz do sol. Ela entrou na água e começou a pegar alguns peixes azarados com um graveto afiado, algo que seu pai lhe ensinou nas primeiras semanas ali. Ela aprendeu rapidamente e não demorou muito para conseguir pegar alguns, mais do que suficiente para o almoço e o jantar.
Sem ter mais nada para fazer, Sara sentou-se à beira do rio, aproveitando os raios de sol e a brisa, sentindo-se ligeiramente livre, embora soubesse que as grades ainda estavam lá, apenas mais distantes do que antes. Ela olhou para seu reflexo na água por um tempo. Estava acostumada a ver admiração e desejo nos olhos dos servos, e até seu pai dizia que ela era bonita. Mas, por estar privada da companhia feminina, não tinha realmente nenhuma referência para se comparar, e a atenção masculina não era um critério, já que uma vez leu que os homens gostavam de qualquer coisa com seios.
Como alguém pode ser considerado bonito com um cabelo e corpo tão sujos? Sara pensou consigo mesma. Uma das falhas da cabana era a falta de um sistema de água. A única maneira de tomar banho adequadamente era no rio, caso contrário, era com uma toalha molhada ou nada. Tirando suas roupas, ela entrou na água fria, soltando gritinhos felizes.
Ocupada lavando seu corpo, Sara não percebeu as pedras afiadas e as profundidades irregulares. Estava muito absorta em aproveitar a água fria e perseguir os peixes enquanto esfregava sua pele branca e sedosa, aproveitando seu momento privado de travessura inocente e liberdade, onde fazia o que queria. Sentiu vontade de se mergulhar na água, então o fez. Respirou fundo, fechou os olhos e mergulhou na água. Estava perfeitamente pacífico e calmo, e Sara não tinha ideia de como ou por que os olhos demoníacos de repente reapareceram atrás de suas pálpebras fechadas...
Aterrorizada, tentou se puxar de volta, mas não sabia nadar e uma corrente repentina empurrou seu corpo para uma área mais profunda do rio. Sara fez o melhor que pôde para se salvar, mexendo as pernas e os braços, mas não sabia como e só conseguiu se afundar mais. Seus pulmões gritavam por ar, ela pensou que aquele era o fim de sua vida. O medo tomou conta dela, fazendo-a se mover e lutar apenas para desperdiçar sua energia e exaurir seu corpo. Quando não conseguiu mais segurar a respiração, seu corpo inalou instintivamente, mas só entrou água, fazendo seus pulmões arderem. Era tão doloroso, doloroso demais a ponto de sua mente desistir...
O resto de suas memórias sobre aquele acidente eram nebulosas. Ela se lembrava de ser puxada para fora da água, depois braços fortes a levaram de volta à margem.