Capítulo 3- Nicole

Lisa está olhando para o meu irmão do outro lado da mesa de novo. Dou um chute na panturrilha dela por baixo da mesa. Ela solta um pequeno grito e me lança um olhar sujo. Mando uma mensagem para ela.

Eu: Puta, dá pra ser mais óbvia?

Ela discretamente me mostra o dedo do meio quando José abaixa a cabeça para olhar algo no celular. Reviro os olhos para ela. Só falta ela transar com o José na minha frente agora para me traumatizar completamente.

Uma mensagem chega no meu celular.

Lisa: Você pode pedir para o seu irmão me notar pelo menos uma vez? Diz pra ele que é difícil tentar chamar a atenção dele.

Dou uma gargalhada e depois tomo meu drink rapidamente. Mas José nem percebe. Ele está muito ocupado com algo no celular, como sempre.

Quando levanto o garfo para tentar comer o que pedi esta noite, o celular do José toca insistentemente. Sinto a vibração agressiva na mesa, já que a mão dele está sobre ela. A minha também. Ele se levanta abruptamente e eu me viro para ele.

Ele coloca o celular no bolso e vira o copo de Pinot Noir. Me dá um beijo apressado na bochecha.

"Você vai embora?" Meu olhar está fixo nele.

"Aconteceu algo no escritório," ele diz, pegando as chaves e colocando-as no bolso enquanto empurra a cadeira para trás.

Olho a hora no meu celular. "José, está muito tarde."

Ele dá de ombros. "É, chefes exigentes. Te vejo amanhã. Não fique acordada."

Ele some em um segundo.

Meu olhar se volta para Lisa. Ela tem uma expressão de simpatia no rosto. Ela sabe o quão próxima eu sou do meu irmão e sabe que me mata não podermos passar tempo suficiente juntos porque ele está sempre tão ocupado trabalhando.

Só ela entenderia porque essa parte da minha história não é algo que muitas pessoas sabem. Nossos pais morreram em um incêndio que engoliu nossa casa e logo depois nos mudamos para o sistema de adoção. Quando ficamos mais velhos e saímos, José assumiu a responsabilidade de cuidar de nós dois. Ele era mais velho e saiu mais rápido do que eu. Ele já tinha começado a trabalhar antes de eu sair.

Quando eu saí, ele me acolheu. Ele tinha um apartamento na época. Ele estava indo bem até então. Durante a faculdade, eu não sabia o quanto ele trabalhava. Eu não via isso porque estava na escola. Mas agora que também estou trabalhando e moramos no mesmo apartamento, posso ver o quanto ele não descansa ou tira férias. Como ele sustentou nossa família sozinho assim que saiu do sistema de adoção.

"Por que ele trabalha tanto?"

"Por você," Lisa responde. "Ele realmente se importa muito com você. Dá pra entender por que eu estou apaixonada."

Balanço a cabeça. "Lisa, agora não." Mas sorrio e ela ri.

Alguns segundos se passam enquanto eu silenciosamente desisto de terminar a refeição que pedi. Por que eu não fui com o de sempre? O Carlo's Pot sempre foi o lugar favorito meu e do meu irmão desde que chegamos a esta cidade. Eles têm os melhores hambúrgueres que já comi. Mas com outras coisas, é como se os cozinheiros estivessem chapados enquanto cozinham, é geralmente uma chance de cinquenta por cento de algo dar errado: muito tempero... a refeição pode ficar muito apimentada... tem um ingrediente na refeição que não deveria estar lá, mas alguém achou que era uma ideia genial incluí-lo... A lista é interminável. E eu sei disso porque sempre arrisco experimentar qualquer nova invenção que o Carlo's Pot apresenta como especial toda vez que venho aqui.

Olho para cima. Meu olhar encontra o de Lisa. "Você está pronta para ir? Pode me deixar em casa?"


Minutos depois, estou na frente da casa minha e do José, acenando para Lisa. Ela buzina enquanto se afasta.

"Te vejo amanhã, vadia." Ela me manda um beijo e eu balanço a cabeça enquanto pego a chave da porta da frente e a abro.

Entro na sala de estar, acendo as luzes e tranco a porta. Minha bolsa de leopardo falso vai para o sofá. Assim como meu blazer e meus sapatos de salto preto.

A sala de estar é bem arejada. Tem bastante espaço para apenas duas pessoas. José comprou a casa de um casal que estava se aposentando e indo para um lar de idosos. Os filhos deles já tinham se mudado há muito tempo.

Há uma lareira dramática no centro da parede principal e uma verdadeira peça de manto. Imagino que as crianças que moravam aqui penduravam meias ali para o Papai Noel passar e deixar os presentes dentro. Preferencialmente pela chaminé, exceto que sempre achei que a maioria das chaminés não caberia um adulto como eu, então por que caberia um cara que é representado pela cultura pop e filmes como tendo mais de cento e cinquenta quilos? Quando criança, sempre tive uma imaginação hiperativa.

José reformou o lugar um mês depois que nos mudamos. Havia várias tábuas do chão faltando e papéis de parede antigos que foram raspados para dar lugar ao atual, de cores branca e preta. Plantamos flores nas cercas ao redor da frente da casa. Trocamos as fechaduras de todas as portas e janelas, pois várias estavam quebradas. Trouxemos mais alguns sofás para a sala de estar, mesmo que não tivéssemos muitas visitas, já que, caramba, tínhamos mais espaço do que podíamos usar.

Agora, meu olhar se fixa na peça de manto e na única coisa que está lá. Não há porcelanas ou meias decorativas. Uma única foto emoldurada da minha família está lá. Estamos na praia juntos e, enquanto José já é um garotinho, estou nos braços da minha mãe, uma criança pequena. Todos parecemos animados para a foto, inclusive eu, que nem sabia o que estava acontecendo.

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