O evento

Eu comecei a caminhar em direção ao grito, sabendo que me arrependeria se não ajudasse alguém. Eu sabia que corria o risco de morrer tentando ajudar um estranho?

Claro que sabia. Mas eu sempre gostava de imaginar que alguém faria o mesmo por mim se alguém que eu amasse passasse pela mesma situação.

Continuei, tomando cuidado para não fazer barulho, e os gritos ficaram mais próximos. Até que encontrei um tipo de casa muito pequena em uma área aberta. Bem na frente dessa casa havia um homem quebrando os dedos de outro homem, que estava preso a uma cadeira. Tive que colocar a mão na boca para não gritar ao testemunhar aquela cena.

O homem parecia uma máquina sem sentimentos, realizando algum tipo de trabalho. O maluco era o dobro do meu tamanho e, se o homem jogado no chão não tivesse conseguido escapar, imagine eu.

Eu estava tentando bolar um plano, mas os gritos do homem e aquela cena estavam mexendo com a minha cabeça. Então decidi seguir um plano estúpido, eu pularia nas costas do homem e o resto ficaria a cargo de Deus.

Eu continuava repassando aquele plano e, quanto mais ouvia os gritos, mais tinha certeza de que o plano funcionaria. Então, quando estava prestes a sair de trás daqueles arbustos e pular nas costas daquele maluco, uma mão me impediu de continuar.

Olhei para trás e pulei de susto. Filipe me olhava com um olhar reprovador, como se eu estivesse invadindo um lugar proibido.

"O que você está fazendo aqui?" Filipe pergunta em voz alta.

Automaticamente caminho em direção a ele e coloco minha mão em sua boca, impedindo-o de falar mais. Mas era tarde demais, tanto o maluco quanto o homem que estava sendo torturado estavam olhando para nós dois.

Todos ficaram paralisados, apenas uma troca de olhares que parecia interminável. Então sinto Filipe pegar minha mão e tirá-la de sua boca, mas ele segura minha mão firmemente.

"Vamos." Filipe diz, parecendo estressado e me puxando junto.

"Mas..." Tento puxar minha mão, mas não consigo. Então paro de andar e Filipe me olha novamente.

Aponto para a situação que não parecia tê-lo afetado ou surpreendido. Acho estranha a atitude dos três. O torturador nos olhava confuso, mas não deu um passo em nossa direção. O torturado olhava assustado para os dois homens presentes.

"Vamos." Filipe fala rudemente de novo e desta vez deixo que ele me guie.

Filipe anda rapidamente, dificultando para mim, que quase corria para não cair. Filipe era muito mais alto e andava muito mais rápido, enquanto eu era baixa e um pouco sedentária.

Não ousei fazer perguntas sobre o que tinha acabado de ver, pois Filipe me levava como se eu tivesse cometido um pecado grave.

Finalmente chegamos em casa novamente e Filipe me leva para o mesmo lugar de ontem. Só que desta vez Filipe me coloca dentro do escritório e sai. Eu estava sem fôlego e meus pulmões pareciam estar desistindo da vida.

Eu não sabia se a falta de ar era por causa da caminhada rápida ou se eu estava me sentindo mal pela cena que tinha visto. Vi uma garrafa de água ali, peguei um copo que deveria ser para uísque e o enchi de água.

Bebi todo o conteúdo rapidamente e derramei um pouco, também me engasguei. Coloquei o copo no lugar e me sentei no sofá. Baixei a cabeça, sem ideia do que fazer.

Logo ouvi a porta se abrindo e vi Fernando entrando na sala. Eu já estava de pé e respirando com menos dificuldade. Em seguida, vi Vidia entrar e depois Filipe. Todos me encaravam, Fernando e Filipe com seriedade e Vidia com preocupação.

"Estamos aqui para explicar o que você viu." Fernando esclarece.

Filipe já tinha se sentado na cadeira que estava atrás da mesa do escritório, o lugar que deveria ser de Fernando.

"Não é o que você pensa, apenas esqueça." Foi só isso que Fernando disse.

Continuei esperando o resto da explicação que Fernando disse que daria, mas ele não disse mais nada. Aquela era a explicação e não fazia sentido.

"Mas eu vi um homem e o outro estava..." Começo a falar tentando explicar, mas sem conseguir controlar a adrenalina que estava nas alturas.

"Apenas esqueça o que você viu." Filipe fala, com a mesma expressão de seriedade.

"Giulia." Vidia se senta ao meu lado, expressando preocupação. "Você se lembra quando descobrimos que o filho da vizinha estava roubando e decidimos ficar quietos?" ela pergunta e eu aceno com a cabeça, confusa. "É a mesma situação."

Olho para ela sem entender, mas que explicações eram aquelas?

"Não contamos para a mulher porque tínhamos medo que ela morresse." Falo um pouco mais alto. "A menos que haja uma senhora com a saúde debilitada naquela situação, eu não sei o que isso parece."

Falei alto, agora estressada por vê-los agindo assim.

"Lia, não é hora de fazer isso." Vidia fala com uma voz cheia de preocupação, olhando para Filipe.

"Como assim não é hora para isso? Aquele homem estava... As mãos e os dedos... O outro estava..." Falei já sentindo o ar saindo dos meus pulmões.

"Calma, Giulia." Vidia fala preocupada, correndo em minha direção. "Fernando, peça para trazerem tranquilizantes, senão ela vai acabar na emergência."

"Por que você está tão bem?" Pergunto, encarando Vidia, sem reconhecê-la.

"Por que..." Vidia olha para Fernando e ele balança a cabeça, como se soubesse o que Vidia estava pensando. "Eles são mafiosos." Vidia fala um pouco mais alto e rapidamente, como se estivesse dizendo uma palavra amaldiçoada.

Eu a encaro com os olhos arregalados, olhando para Fernando que balançava a cabeça e Filipe que mantinha a mesma expressão.

"Isso tem que ser uma piada." Falo para mim mesma, sentando no braço da cadeira.

Olho para Vidia como se ela tivesse perdido a cabeça e olho pela janela. Lembrei do evento da noite passada e me viro para encarar Filipe, ele parecia ter adivinhado meus pensamentos e tinha um sorriso de lado.

"Impossível." Falo enquanto o observo.

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