


Capítulo Seis
Levou duas tentativas para ele conseguir colocar a chave na ignição. Sua cabeça latejava e o lado esquerdo do rosto doía como o inferno. A raiva pulsava dentro dele enquanto ele dava ré para sair da garagem e passava pelos portões abertos. Suas mãos apertavam o volante na tentativa de manter o foco. No semáforo, ele percebeu que não tinha mais um lar.
Seu olho esquerdo estava inchado e fechado, e ao redor das bordas, desde a sobrancelha até o osso da bochecha, o ferimento aberto parecia terrível. Ele sabia que ficaria com uma cicatriz, mas pelo menos esse era o único dano em seu rosto. Ele segurou o celular no bolso da jaqueta, mas depois o soltou. Quem diabos ele chamaria, afinal? Seu celular provavelmente pararia de funcionar também, se sua mãe estivesse certa.
Charles Alexander era dono de toda a parte alta da Baía de Yorkdare. Todos os hotéis e pousadas lá também pertenciam a ele. Kelley não podia ficar desse lado da cidade e dirigiu em direção à parte baixa da Baía de Yorkdare, onde viviam as pessoas de renda média e baixa. Ele não conhecia ninguém daquele lado da cidade e percebeu que isso era uma coisa boa, dadas as circunstâncias em que se encontrava.
Um olhar no relógio do carro lhe disse que eram pouco mais de duas da manhã. Kelley estacionou o carro antes de sair das bordas da parte alta da Baía de Yorkdare e caminhou até o caixa eletrônico. Ele sacou o valor máximo de todos os seus cinco cartões e guardou dez mil reais na jaqueta de futebol.
Ele não fazia ideia de quanto dinheiro sua mãe havia deixado nas bolsas de viagem no banco de trás do carro. Ele tinha mais um ano de escola e sabia que não poderia voltar para o Colégio Smith, a escola particular para os ricos. Ele precisava encontrar um lugar para dormir primeiro antes de se preocupar com algo tão mundano quanto a escola.
Kelley sentiu uma onda de tontura ao voltar para o Escalade. Essa parte da cidade estava relativamente tranquila e, por um momento, Kelley considerou dormir no carro ali mesmo. Seria apenas por algumas horas até que os motéis abrissem suas portas.
A decisão mais inteligente seria dirigir e estacionar no estacionamento de um motel, seria mais seguro. Ele tropeçou nos próprios pés enquanto sua cabeça latejava e a sensação de letargia ameaçava dominá-lo.
"Calma, amigo." Um homem veio por trás e colocou o braço de Kelley sobre seu ombro.
"Estou bem. Só preciso chegar ao meu carro." Kelley não estava tão fora de si a ponto de não se preocupar com as intenções do homem.
O homem riu, sua voz era profunda e áspera. "Você está longe de estar bem. Estou supondo que o Escalade é seu?"
Kelley assentiu fracamente, se perguntando se acordaria em algumas horas com seus pertences e seu carro desaparecidos. O homem pegou as chaves do bolso da jaqueta de Kelley e o Escalade bipou duas vezes antes que o homem o empurrasse para o lado do passageiro de seu próprio carro.
Kelley estava entrando e saindo da consciência, mas estava ciente de que o homem dirigia seu carro e fazia perguntas. Ele não poderia ter respondido mesmo que quisesse. Kelley sentiu alívio quando a escuridão finalmente o tomou.
Kelley acordou com uma sensação apertada ao redor do olho. Sua mão tocou uma espécie de bandagem e ele se sentou na cama de casal. Havia um homem estranho, dirigindo seu carro. Sua jaqueta de futebol estava pendurada nas costas de uma cadeira de madeira e ele cambaleou pelo carpete surrado em direção a ela.
"Está tudo aí." Kelley se virou abruptamente e olhou para o homem parado na porta.
"Obrigado."
"Venha para a cozinha, está na hora do almoço e você precisa começar a falar."
Kelley seguiu o homem para fora do quarto e entrou em uma pequena cozinha. Dois pratos estavam na mesa, que era grande o suficiente para dois, e Kelley se sentou enquanto o homem servia dois copos de suco de laranja. Kelley estava faminto e pegou o garfo.
"Pode ser um buraco, mas quando você come nesta mesa, você faz uma oração."
Kelley abaixou o garfo de volta na mesa. "Desculpe." Kelley fechou os olhos quando o homem fechou os dele.
"Querido Pai Celestial, agradecemos pela refeição que estamos prestes a comer. Obrigado pelas inúmeras bênçãos que nos concede todos os dias. Amém."
"Amém." O homem assentiu e começou a comer.
Kelley não se importava muito com o que estava no prato, contanto que enchesse seu estômago faminto. O almoço foi tranquilo, mas Kelley não sentia que sua vida estava em perigo. Ladrões alimentam você antes de roubá-lo? O homem o havia ajudado quando não precisava e isso merecia reconhecimento.
"Você costurou meu rosto?" Estava apertado como pontos de sutura.
"Sim, alguém te pegou bem feio, seu olho parece estar bem, mas você vai ficar com uma cicatriz para sempre."
"Obrigado."
"Fale, garoto, o que aconteceu com você? Claramente você não pertence a este lado da cidade, então por que estava lá ontem à noite? E o que é todo esse dinheiro na sua jaqueta?"
Kelley não fazia ideia de por que confiava nesse homem cujo nome ele nem sabia, mas confiava, então decidiu ser o mais honesto possível. "Meu pai me expulsou de casa ontem à noite. Não, não é algo que eu queira falar, mas ele me deixou um presente de despedida. Eu estava sacando dinheiro das minhas contas antes que ele as cancelasse."
"Sou Jesse Owens. Sou dono do dojo de MMA na rua. Você é apenas um garoto, Kelley Alexander, filho de um dono de hotel muito, muito rico."
"Duvido que meu pai concorde com você. Eu não sou filho dele, nas palavras dele."
Jesse tirou a carteira de motorista de Kelley do bolso e a colocou na mesa na frente dele. "Então não vou me desculpar por dizer que ele é o maior idiota que já governou esta cidade."
Ele se perguntou como Jesse sabia seu nome e voltou seu olhar para Jesse. "Descobri algumas coisas ontem à noite, não terminou bem para mim."
"Então agora você é um órfão sem-teto?" Jesse deu um meio sorriso.
"Acho que sou. Tenho mais um ano de ensino médio, embora me disseram que não posso voltar para minha antiga escola." Kelley suspirou enquanto Jesse se recostava na cadeira e cruzava os braços sobre o peito.
"Escola pública é de graça. O motel na Pickings Road não é tão ruim, é barato também. Você pode se virar com mil por mês, arranjar um emprego depois da escola. Planeje sua vingança, leve o tempo que precisar, os melhores planos são elaborados com o tempo."
Kelley olhou atentamente para Jesse, o homem que o havia salvado e costurado seu rosto, o homem que o havia levado para casa e alimentado. Esse mesmo homem que agora lhe dava conselhos que mudariam seu futuro e o colocariam no caminho da vingança.
"Eu tenho tempo," Kelley disse, e Jesse sorriu para ele. Parecia que ele havia feito um amigo, um amigo que sempre estaria ao seu lado.