Capítulo Sete

Jesse Owens se tornou o único amigo de Kelley. Ele negociou um acordo com o dono do motel e Kelley conseguiu um quarto no térreo que tinha uma pequena cozinha anexada por mil reais por mês, pagáveis adiantado. No dia seguinte ao incidente, Kelley sacou mais dez mil reais sabendo que seus cartões seriam cancelados na segunda-feira.

Seu celular desligado lhe dizia tudo o que precisava saber.

Seu pai estava sério sobre cortá-lo e tirá-lo de sua vida. Ele estava realmente sozinho agora. Jesse o ajudou a registrar um novo celular e ele viu a atualização do relacionamento de Norah e Hanson nas redes sociais, um dia após sua queda em desgraça. Ele não estava realmente surpreso, mas doía que ela pudesse seguir em frente tão rapidamente, sem realmente terminar com ele.

As palavras de Norah ditas na festa voltaram à sua mente com força total. Ela namorou com ele por dois anos e fingiu porque era o que seus pais queriam. Ele não era um babaca grande o suficiente, segundo ela. Kelley não entendia isso. Como alguém fingia amar outra pessoa por dois anos?

Kelley tinha agressividade suficiente para jogar como quarterback no futebol americano, mas ele não era um lutador por natureza. Nunca precisou lutar antes. Jesse mudou tudo isso. Ele era um ex-fuzileiro naval que se especializou em artes marciais mistas. Jesse também era um enigma por si só. Ele dava espaço a Kelley, mas o pressionava o suficiente para tirá-lo de sua própria cabeça.

Kelley passava todos os dias com Jesse no seu dojo, treinando e ajudando. Jesse nunca pedia nada e o que tinha, ele dava livremente. Amizade e apoio moral. De manhã, eles corriam juntos e depois trabalhavam no dojo o dia todo, onde Jesse treinava quem quisesse ou precisasse, às vezes de graça.

Kelley cresceu mais um centímetro naquele mês com o treinamento adicional que Jesse estava lhe dando, uma nova dieta de treinamento e um regime que o fez ganhar ainda mais massa. Com o mentoreamento físico também veio o mentoreamento psicológico e Jesse era um bom ouvinte.

Kelley sentia que não tinha ideia de quem ele era mais. Ele estava vivendo em uma bolha esse tempo todo? Como ele não percebeu como seu pai realmente era, mais cedo? Ele se sentia um idiota, acreditando que uma garota o amava de volta. O suor escorria de sua testa, mas tudo em que ele conseguia se concentrar eram os sons das luvas de couro batendo no saco de pancadas de couro.

“Kelley, pare.” Jesse segurou o saco de pancadas e ele foi forçado a parar no meio do soco.

“Já é hora de fechar?”

“Fechei há uma hora. O que está acontecendo?” Jesse nunca escondia completamente seus sentimentos com ele e Kelley podia ver a preocupação subjacente em seus olhos.

Kelley sentou-se no tatame e enxugou o rosto com uma toalha. “Estou apenas resolvendo algumas coisas.”

“Nenhum soldado luta sozinho, Kelley. Não fomos feitos para ficar sozinhos o tempo todo. Você é um bom garoto, eu posso ver isso, mas você está lidando com isso da maneira errada.”

“Eu não sou um bom garoto, Jesse. Deixei minha mãe lá, sozinha.”

“Conte-me a história. Eu não sou idiota. Você está sofrendo muito por dentro e sua raiva na verdade só te enfraquece.”

Kelley olhou para Jesse, que se abaixou até o chão e sentou-se ao seu lado. “Eu percebi que meu pai é um babaca doente.”

Jesse esperou que Kelley continuasse, mas ele não o fez. Como ele poderia contar a esse homem o que seu pai realmente fez? Ele não conseguia dizer as palavras em voz alta e abaixou a cabeça de vergonha. Sua mãe praticamente implorou para que ele ficasse longe.

“Você sabia que eu costumava trabalhar para o seu pai?”

A cabeça de Kelley se levantou rapidamente. “O quê?”

“Eu tinha acabado de voltar da minha terceira missão e falhei na avaliação psicológica, então fui dispensado com honra dos fuzileiros navais. Tinha alguns problemas com PTSD, me assustava com qualquer som pequeno. Comecei a procurar trabalho permanente, tentando me reintegrar à sociedade.”

“Li histórias online sobre como é ruim lá, de homens que voltam e nunca mais são os mesmos.” Kelley olhou para Jesse e seus olhos estavam cheios de horrores do passado.

“Alguém tem que fazer isso, Kelley. De qualquer forma, fui recrutado por uma empresa de segurança, trabalhando principalmente como guarda-costas. Esse cara importante tinha uma equipe inteira fazendo suas vontades, levando garotas de um lado para o outro, vigiando-as, coletando informações sobre seus inimigos.”

Kelley franziu a testa então. “Você faz parecer que trabalhou para algum tipo de máfia.”

“É exatamente isso que estou dizendo. Percebi tarde demais o que eles realmente faziam a portas fechadas. Houve uma noite em que fiquei do lado de fora daquela porta ouvindo uma garota gritar e implorar para que parassem. Tudo dentro de mim dizia para arrombar aquela porta e tirá-la de lá.”

“O que você fez?” Kelley se ajeitou em uma posição mais confortável.

“Eu arrombei a porta, saquei minha arma e tirei aquela garota de lá.” Jesse olhou além dele, quase como se estivesse revivendo aquele incidente, um filme passando em sua cabeça.

“Imagino que você não manteve seu emprego.”

Jesse sorriu tristemente então. “Você assina um acordo de confidencialidade com seu contrato. Confie em mim, eu tentei. Os policiais estão tão envolvidos com ele que nem ouviram o que eu tinha a dizer. Eles basicamente estupraram aquela pobre garota naquele quarto, ela estava completamente drogada, mas ainda assim lutou.”

“Por que você me ajudou, Jesse?”

“Às vezes o filho se torna um monstro maior que o pai. Você saiu, Kelley, você fugiu e isso te salvou. Seu pai nunca te apresentou àquele estilo de vida porque ele via que você não era como ele. Eu te ajudei porque você era um garoto precisando de ajuda.”

“O que aconteceu com a garota que você salvou?”

“Eu a levei para casa, cuidei dela até se recuperar, ela era muito arisca.” Jesse sorriu ao reviver seu passado novamente. “Ela aprendeu a confiar em mim e, com o tempo, se abriu e confidenciou em mim. Dois anos depois, nos casamos e eu a amei com tudo que tinha.” Jesse não parecia o tipo de homem que se estabeleceria e viveria feliz para sempre. Às vezes, a escuridão de uma pessoa reconhece a de outra. Kelley sabia que essa era a afinidade que sentia com Jesse.

“Desculpe... você não precisa falar sobre isso.” Kelley podia ver a emoção crua nos olhos de Jesse e sabia que essa história não tinha um final feliz.

“Ela nunca se recuperou de verdade, Kelley. Bastou ela ver um daqueles homens e isso desencadeou tudo o que eu havia construído dentro dela. Eu a encontrei no banheiro, ela tinha se matado com minha pistola de serviço.”

Kelley ficou surpreso ao sentir a umidade das lágrimas em suas bochechas enquanto a voz de Jesse se quebrava. Ele também nunca se recuperou disso. “Sinto muito, Jesse.”

“O ponto é, Kelley, sempre haverá pessoas más neste mundo, mas este mundo também precisa de pessoas como você, fortes e dispostas a não fazer parte desse mal. Você tem poder, mesmo que pense que não tem.”

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