


Sombra do vício
Aurora
A luz da manhã filtrava-se pelas cortinas esfarrapadas, lançando sombras dançantes no chão de madeira desgastado. Levantei-me lentamente, cada movimento parecia um esforço monumental. Aos dezessete anos, eu já carregava o peso do mundo nos ombros. A primeira tarefa do dia era sempre a mesma: verificar se Sol, meu irmão mais novo, ainda estava dormindo em segurança.
Sol, com apenas nove anos, dormia profundamente, alheio aos monstros que espreitavam fora de seus sonhos infantis. Acariciei suavemente seu cabelo, prometendo silenciosamente protegê-lo de tudo o que o mundo nos lançasse.
Descendo as escadas, encontrei a casa em seu estado usual de caos. Garrafas vazias espalhadas pelo chão, restos de comida mofada na mesa e um cheiro pungente que era uma mistura de álcool barato e desespero. Meus pais não estavam à vista, provavelmente ainda desmaiados em algum canto escuro da casa. Suas vidas haviam se afundado em vícios e promessas quebradas.
Comecei minha rotina diária de limpeza, tentando trazer um mínimo de ordem ao caos. Cada movimento era mecânico, uma coreografia familiar de tristeza e esperança. Eu sabia que cada pequeno ato de organização era um passo em direção à normalidade para Sol, mesmo que essa normalidade fosse frágil e temporária.
Enquanto lavava a louça, minha mente vagava para as contas não pagas empilhadas na mesa da cozinha. As dívidas estavam se acumulando, e os cobradores estavam se tornando cada vez mais insistentes. Eu precisava encontrar uma maneira de ganhar dinheiro, e rápido, antes que algo ainda pior acontecesse.
Sol apareceu na cozinha, esfregando os olhos sonolentos. "Aurora, tem algo para o café da manhã?" ele perguntou com uma inocência que partiu meu coração. Sorri, tentando esconder minha preocupação.
"Claro, Sol. Vou preparar algo para você," disse, procurando desesperadamente por algo comestível. Encontrei uma caixa de cereal quase vazia e um pouco de leite que ainda não havia estragado. Era uma refeição modesta, mas era o melhor que eu podia oferecer.
Enquanto Sol comia, olhei pela janela, contemplando o futuro incerto. Eu sabia que não podia continuar assim. Precisava encontrar uma solução, uma saída desse inferno. Mas, por enquanto, tudo o que eu podia fazer era continuar lutando, dia após dia, esperando por um milagre.
Terminei de arrumar a cozinha e comecei a me preparar para sair. Tinha uma lista de lugares onde poderia tentar encontrar um emprego, qualquer coisa que ajudasse a pagar as contas e manter Sol seguro. O primeiro lugar na lista era um pequeno café no centro da cidade. Não era muito, mas era um começo.
Antes de sair, ajoelhei-me ao lado de Sol e beijei sua testa. "Vou sair por algumas horas, Sol. Fique dentro de casa e não abra a porta para ninguém, tá bom?"
Sol assentiu, seus olhos grandes e confiantes. "Tá bom, Aurora. Eu prometo."
Com um último olhar para meu irmão, saí de casa, determinada a encontrar uma solução para o pesadelo que nossas vidas haviam se tornado. Cada passo que eu dava era um passo em direção a uma nova esperança, uma nova possibilidade de escapar das sombras que ameaçavam nos consumir.
Caminhei rapidamente pelas ruas movimentadas da cidade, meus pensamentos tão caóticos quanto o trânsito ao meu redor. Vestia uma jaqueta velha, grande demais para meu corpo esguio, mas que oferecia alguma proteção contra o frio da manhã. O café no centro da cidade era minha primeira parada. Nunca tinha trabalhado oficialmente antes, mas estava determinada a convencer qualquer empregador a me dar uma chance.
Quando cheguei ao café, respirei fundo, endireitei os ombros e entrei. O cheiro de café fresco e produtos assados me envolveu imediatamente, oferecendo um breve conforto. O lugar estava moderadamente movimentado, com clientes sentados em pequenas mesas, conversando ou trabalhando em laptops. Fui até o balcão, onde uma mulher de meia-idade com um sorriso amigável estava atendendo os clientes.
"Bom dia," comecei, tentando soar confiante. "Estou procurando um emprego. Vocês estão contratando?"
A mulher, cujo crachá dizia "Carla", olhou para mim com uma expressão simpática, mas cautelosa. "Estamos, sim, mas você tem alguma experiência?"
Hesitei por um momento. "Eu... sou uma trabalhadora esforçada e aprendo rápido. Eu realmente preciso desse emprego."
Carla me estudou por alguns segundos, avaliando a sinceridade em meus olhos. "Bem, sempre precisamos de ajuda extra. Vou te dar uma chance, mas será um período de experiência. Se você conseguir acompanhar, o emprego é seu."
Um misto de alívio e gratidão me preencheu. "Obrigada, muito obrigada. Quando posso começar?"
"Que tal agora?" sugeriu Carla com um sorriso. "Posso te mostrar o básico e ver como você se sai no turno de hoje."
Concordei rapidamente. "Claro, estou pronta."
Carla começou a me mostrar como operar a máquina de café, atender os clientes e limpar as mesas. As tarefas eram simples, mas exigiam rapidez e atenção aos detalhes. Dediquei-me totalmente, determinada a não decepcionar Carla e a garantir que esse emprego se tornasse permanente.
As horas passaram voando enquanto eu me concentrava no trabalho. Havia algo quase terapêutico na rotina do café, um contraste bem-vindo ao caos de casa. Pela primeira vez em muito tempo, senti-me útil e um pouco no controle da minha vida.
No meio do turno, enquanto eu servia um cappuccino a um cliente, um homem entrou no café. Ele tinha uma presença marcante, com cabelos escuros e olhos penetrantes que pareciam ver através de todos. Sentou-se em uma mesa de canto, sozinho, e começou a ler um livro de capa preta.
Notei sua presença, mas estava ocupada demais para prestar muita atenção. Eventualmente, Carla pediu que eu levasse um pedido para ele.
Aproximei-me com a xícara de café e um sorriso educado. "Aqui está seu café. Posso trazer mais alguma coisa?"
O homem levantou os olhos do livro, e por um momento, parecia que o tempo parou. Havia algo magnético nele, uma aura que eu não conseguia explicar. Ele sorriu levemente, mas seus olhos mantinham uma intensidade incomum.
"Obrigado," disse ele com uma voz suave, mas firme. "Na verdade, poderia me trazer um pouco de açúcar, por favor?"
Assenti e rapidamente voltei ao balcão para pegar o açúcar. Quando voltei, o homem ainda me observava, o que me deixou um pouco nervosa.
"Você é nova aqui?" ele perguntou casualmente enquanto eu colocava o açúcar na mesa.
"Sim, comecei hoje," respondi, tentando não parecer desconfortável sob seu olhar. "Estou apenas tentando me adaptar."
Ele assentiu, parecendo entender mais do que eu havia dito. "Espero que dê tudo certo. Trabalhar aqui pode ser desafiador, mas é um bom lugar para começar."
Agradeci e voltei ao meu trabalho, mas não conseguia parar de pensar no estranho homem no canto do café. Havia algo nele que me intrigava, algo que me atraía de uma maneira que eu não compreendia totalmente.
Quando o turno terminou, Carla se aproximou de mim com um sorriso. "Você fez um ótimo trabalho, Aurora. Se puder voltar amanhã, considerarei o período de experiência um sucesso."
Mal conseguia conter minha felicidade. "Claro, estarei aqui. Obrigada novamente por esta oportunidade."
De volta para casa, senti uma pontada de esperança. Talvez, só talvez, as coisas começassem a melhorar. No entanto, ao abrir a porta da frente, fui recebida com uma visão que me trouxe de volta à dura realidade.
Sol estava sentado no sofá, seus olhos fixos em algo que eu não conseguia ver imediatamente. Quando me aproximei, vi nosso pai desmaiado no chão, garrafas vazias ao redor dele.
"Papai tentou se levantar, mas caiu," Sol explicou, sua voz trêmula de preocupação.
Corri para o lado do meu pai, verificando se ele estava respirando. Felizmente, estava, mas o cheiro de álcool era forte. Com esforço, Sol e eu conseguimos levantar nosso pai e colocá-lo no sofá. A sensação de desespero voltou com força total.
"Vai ficar tudo bem, Sol," disse, tentando soar mais confiante do que me sentia. "Consegui um emprego hoje. As coisas vão melhorar, eu prometo."
Sol olhou para mim com uma mistura de esperança e dúvida. "Espero que sim, Aurora. Espero que sim."
Aquela noite, enquanto Sol dormia e eu olhava para o teto, percebi que precisaria de mais do que um emprego para realmente mudar nossas vidas. As dívidas ainda estavam lá, e os cobradores não iam desaparecer. Mas, por enquanto, eu havia dado um pequeno passo na direção certa. E amanhã, daria outro.