


Ritual
Aurora
Os dias que se seguiram foram cheios de inquietação. A pressão das dívidas e as ameaças dos cobradores continuavam a aumentar, assim como os eventos estranhos em minha casa. Pedaços de papel com símbolos desconhecidos apareciam em lugares inesperados, e a sensação de estar sendo observada nunca me deixava.
Damian, agora uma presença constante no café, tornou-se minha fonte de confusão e curiosidade. Sua aura de mistério e palavras enigmáticas me assombravam. Finalmente, após dias de indecisão, decidi confrontá-lo novamente.
"Damian," comecei, enquanto me aproximava de sua mesa durante um turno mais tranquilo. "Você mencionou que a ajuda pode vir de onde menos esperamos. O que exatamente você quis dizer com isso?"
Ele me olhou com seus olhos penetrantes, me avaliando antes de responder. "Há um lugar que você deve visitar," disse ele, tirando um pedaço de papel do bolso e escrevendo um endereço. "Vá a este endereço. Lá você encontrará o que procura."
Segurando o papel nas mãos, senti uma mistura de apreensão e esperança. Decidi seguir seu conselho e, após o trabalho, me dirigi ao endereço dado. Era uma parte da cidade que eu raramente visitava, uma rua estreita e mal iluminada. A loja de antiguidades tinha uma vitrine empoeirada e uma placa quase ilegível.
Entrei na loja, e o suave som do sino da porta ecoou pelo ambiente. O interior estava cheio de móveis antigos, livros empoeirados e artefatos misteriosos. Uma senhora idosa com olhos brilhantes e curiosos estava atrás do balcão.
"Posso ajudar você?" ela perguntou, sua voz suave e acolhedora.
"Estou procurando o Livro das Sombras," respondi, sentindo-me um pouco tola.
A expressão da mulher mudou ligeiramente, e ela me avaliou com um olhar atento. "Quem disse para você vir aqui?"
"Um amigo," disse hesitante. "Ele disse que eu encontraria respostas aqui."
Ela assentiu lentamente e me conduziu até o fundo da loja, onde uma pesada porta de madeira se abriu para revelar uma sala cheia de velas e um altar coberto de símbolos antigos. Ela pegou um grande livro antigo com uma capa de couro escuro e gravações misteriosas.
"Este é o Livro das Sombras," disse ela. "Ele contém conhecimentos antigos sobre forças que a maioria das pessoas não entende. Mas lembre-se, esse conhecimento tem um preço."
Peguei o livro, sentindo seu peso nas minhas mãos. "Que tipo de preço?"
"Isso depende de como você usa o conhecimento que ele oferece. Pode trazer grandes bênçãos ou terríveis maldições. Use-o sabiamente."
Agradeci a ela e saí da loja, sentindo-me ao mesmo tempo empolgada e aterrorizada. Sabia que estava me aventurando em território desconhecido, mas o desespero me impulsionava para frente.
Em casa, esperei até que Sol estivesse dormindo antes de abrir o livro. As páginas estavam amareladas pelo tempo, e o texto estava escrito em uma língua antiga. No entanto, estranhamente, eu conseguia entender algumas partes. Havia instruções para rituais, encantamentos e invocações, cada um prometendo algum tipo de poder ou solução.
Passei a noite lendo e estudando, tentando encontrar algo que pudesse nos ajudar. Já estava quase amanhecendo quando encontrei um ritual que parecia prometer respostas. Era uma invocação, destinada a chamar um espírito ou entidade que pudesse oferecer ajuda em tempos de necessidade desesperada.
As instruções eram claras, mas envolviam passos que me faziam arrepiar. Eu precisava de velas, símbolos desenhados no chão e uma oferenda de sangue. Hesitei, sabendo que estava cruzando uma linha perigosa, mas a imagem de Sol e a necessidade de protegê-lo me impulsionaram a seguir em frente.
Naquela noite, depois de colocar Sol para dormir, comecei a preparar tudo de acordo com as instruções do livro. Escolhi o cômodo mais isolado da casa, o porão, para garantir que Sol não fosse perturbado por nada do que acontecesse. O ar estava pesado com umidade e o cheiro de mofo, criando uma atmosfera ainda mais sinistra.
Acendi as velas uma a uma, posicionando-as em um círculo perfeito no chão de concreto. A luz tremeluzente lançava sombras dançantes nas paredes, criando formas que pareciam se mover sozinhas. Cuidadosamente, desenhei os símbolos no chão usando giz vermelho, seguindo as ilustrações detalhadas do livro. Cada linha e curva tinha que ser precisa, pois qualquer erro poderia ter consequências imprevisíveis.
Finalmente, chegou a hora da oferenda. O livro instruía que uma pequena quantidade de sangue era necessária para selar o ritual. Com uma lâmina afiada, fiz um pequeno corte na palma da minha mão, sentindo uma dor aguda enquanto o sangue começava a fluir. Deixei algumas gotas caírem no centro do círculo, observando enquanto o líquido vermelho escuro se espalhava pelos símbolos desenhados.
Com a mão ainda sangrando, ajoelhei-me ao lado do círculo e comecei a recitar as palavras antigas. A língua era estranha e gutural, mas as palavras fluíam da minha boca como se eu sempre as tivesse conhecido. O ar ao meu redor parecia vibrar com uma energia invisível, e as velas tremeluziram violentamente, como se uma força invisível estivesse passando por elas.
Por um momento, nada aconteceu. O silêncio era absoluto, quebrado apenas pelo som da minha respiração ofegante. Comecei a pensar que tudo não passava de uma ilusão causada pelo desespero, mas então, uma brisa fria varreu o cômodo, apagando todas as velas de uma vez. No centro do círculo de símbolos, uma forma começou a se materializar.
Uma figura alta e imponente, envolta em sombras, apareceu diante de mim. Seus olhos brilhavam com uma luz malévola, e um sorriso cruel se formou em seus lábios.
"Você me chamou, Aurora," ele disse, sua voz ecoando pelo cômodo. "E agora, o que você deseja em troca de sua audácia?"