Capítulo um: Charlie's Burden
A névoa da manhã se agarrava às árvores enquanto o sol mal começava a surgir sobre a crista do Vale Escondido. A casa da matilha estava quieta, silenciosa, exceto pela respiração rítmica dos lobisomens adormecidos aninhados lá dentro. O suave tilintar de pratos podia ser ouvido da cozinha, mal audível para qualquer um dos membros da matilha adormecidos, enquanto uma solitária Ômega trabalhava para limpar antes de começar o café da manhã.
Charlie suspirou enquanto esfregava a última das panelas do banquete da noite anterior. Suas mãos estavam ásperas e rachadas pela água quente e pelo sabão forte, mas ela já estava acostumada ao desconforto constante. Suas costas doíam pelas horas passadas curvada, seus pés doloridos de ficar em pé nos frios azulejos da cozinha, mas ela continuava em silêncio, com medo do que poderia acontecer se ousasse reclamar.
Aos dezessete anos, Charlie era magra e pequena para sua idade, um contraste gritante com os lobisomens fortes e bem construídos que a cercavam diariamente. Seu longo cabelo castanho estava sempre preso em um coque bagunçado, com mechas caindo em seu rosto, obscurecendo seus olhos cansados. Ela nunca tinha tempo para cuidar de si mesma. Cada momento do seu dia era dedicado à matilha — a mesma matilha que a tratava como nada mais do que um fardo.
Ela não sabia por que a odiavam. Ninguém jamais lhe disse o que ela havia feito para merecer isso, mas os membros da matilha não precisavam de um motivo para tornar sua vida miserável. No momento em que Greg, o Alfa da Matilha do Vale Escondido, a encontrou abandonada nos arredores do território doze anos atrás, foi como se uma decisão não dita tivesse sido tomada: Charlie sempre seria uma forasteira. Ela não tinha família, nenhuma memória do seu passado, nada além da casa da matilha e da indiferença fria de seus ocupantes.
A porta da cozinha se abriu com um rangido, quebrando o silêncio agradável. Charlie se encolheu, preparando-se para a habitual enxurrada de insultos ou exigências que geralmente vinham de alguém que a procurava. Leah, uma das fêmeas solteiras, estava na porta, seus lábios torcidos em um sorriso de desdém.
"Você deixou uma mancha," Leah disse asperamente, apontando para uma leve mancha de gordura no balcão. "Sinceramente, como você pode ser tão inútil? Você tem sorte que o Alfa e a Luna deixam você ficar aqui."
Charlie mordeu a língua, acenando rapidamente e limpando o balcão novamente com mãos trêmulas. Ela há muito tempo aprendeu que responder só piorava as coisas.
Leah caminhou até a geladeira, pegando uma garrafa de suco. "E depois que terminar aqui, certifique-se de que minha roupa esteja dobrada corretamente desta vez. Da última vez, você deixou rugas nas minhas camisas."
"Sim, Leah," Charlie murmurou, sua voz mal acima de um sussurro. A risada de Leah ecoou em seus ouvidos enquanto ela saía da cozinha, deixando Charlie para suas tarefas.
O resto do dia passou da mesma maneira. Limpando, cozinhando e servindo a matilha. De vez em quando, uma das outras fêmeas zombava dela, a empurrava ou exigia que fizesse mais alguma coisa. Ela não conseguia se lembrar de um dia em que alguém não tivesse encontrado um motivo para rebaixá-la.
Quando a noite chegou, Charlie estava exausta. Seus braços doíam de esfregar os pisos, seus joelhos doloridos de ficar agachada o dia todo, mas ela continuava se movendo. Ela tinha que continuar. Não havia descanso para ela, nenhum tempo para pausar. A matilha estava organizando uma pequena reunião naquela noite para celebrar os próximos aniversários de Luther e Liam, os filhos gêmeos do Alfa, e tudo tinha que estar perfeito.
Os gêmeos estavam se aproximando dos seus 22 anos, e a matilha estava em polvorosa de excitação. Havia constante especulação sobre quando eles encontrariam suas parceiras, porque era incomum para Alfas passarem tanto tempo sem encontrar suas almas gêmeas.
Luther e Liam eram o epítome do poder e da dominância. Altos, musculosos e confiantes, eles eram tudo o que um futuro Alfa deveria ser. Enquanto eram adorados pela maioria da matilha, Charlie sabia que não podia esperar gentileza deles. Os gêmeos sempre foram indiferentes a ela, na melhor das hipóteses, e cruéis, na pior. Eles nunca hesitaram em explorar seu poder sobre ela, assim como o resto da matilha.
Charlie mantinha a cabeça baixa enquanto trabalhava na cozinha, preparando a comida para a reunião. Ela ouvia as risadas e conversas da matilha enquanto se reuniam no salão de jantar. De vez em quando, alguém entrava na cozinha para buscar mais bebidas ou comida, lançando-lhe um olhar de desdém, como se sua presença fosse uma ofensa às festividades.
Enquanto carregava uma bandeja de bebidas para o salão, a porta se abriu de repente, fazendo Charlie tropeçar. A bandeja escorregou de suas mãos, os copos se espatifando no chão. A sala ficou em silêncio enquanto todos os olhos se voltavam para ela.
Por um momento, Charlie ficou congelada no lugar, seu coração disparado enquanto olhava para o vidro quebrado.
"Olha o que você fez agora," a voz de Luther ecoou, seu tom carregado de irritação. Ele estava na cabeceira da mesa, seus olhos escuros se estreitando para ela. Liam estava ao seu lado, com uma expressão semelhante de desdém no rosto.
"Eu-eu sinto muito," Charlie gaguejou, ajoelhando-se rapidamente para pegar os pedaços de vidro quebrado. Suas mãos tremiam, e ela fez uma careta quando um caco cortou sua palma. Sangue pingava no chão, misturando-se com as bebidas derramadas.
Liam bufou. "Talvez se você não fosse tão patética, não continuaria estragando tudo. Quão difícil é carregar uma bandeja, afinal?"
Os membros da matilha ao redor da mesa riram, alguns sussurrando insultos. O rosto de Charlie queimava de humilhação, mas ela manteve a cabeça baixa, sem ousar responder. Suas mãos trabalhavam rapidamente para juntar os cacos de vidro, ignorando a dor na palma.
Enquanto Charlie juntava o último dos vidros, ela rapidamente limpou a bagunça e voltou para a cozinha. Seu coração batia forte no peito, lágrimas ameaçando cair, mas ela as engoliu rapidamente. Ela aprendeu há muito tempo que chorar só piorava as coisas.
Uma vez dentro da cozinha, Charlie se encostou no balcão, pressionando um pano contra sua mão sangrando. Seu corpo tremia de exaustão, mas não havia descanso para ela, ainda não. Sempre havia mais a ser feito.
Lá fora, a celebração continuava, os sons de risadas e conversas flutuando pelo ar. Charlie sentiu uma pontada de saudade no fundo do peito, um anseio por fazer parte de algo, por pertencer. Mas ela sabia que não deveria sonhar com tais coisas. Ela não era nada mais do que uma escrava da matilha, uma forasteira que nunca foi aceita ou teve uma chance.
Os gêmeos eram o exato oposto dela. Eles eram o orgulho da Matilha do Vale Escondido; fortes e dominantes como um futuro Alfa deveria ser. Eles tinham suas vidas inteiras planejadas à sua frente, prontas para começar assim que encontrassem suas parceiras e futuras Lunas.
Ela sentiu uma pontada de algo que não conseguia nomear—ciúmes, talvez, ou talvez apenas tristeza. Ela sabia que seu futuro não continha tal promessa. Parceiros eram uma bênção da Deusa da Lua, um vínculo forjado pelo destino, mas Charlie duvidava que o destino tivesse algo reservado para ela além dessa vida de servidão.
Quando a noite finalmente chegou ao fim e a casa da matilha ficou silenciosa mais uma vez, Charlie terminou suas tarefas e escapou para seu pequeno quarto no final da casa. Era pouco mais do que um armário, escondido atrás da lavanderia, mas era dela. Ela se jogou no colchão fino, seu corpo dolorido, sua mente pesada de exaustão.
Ela olhou para o teto, ouvindo os uivos distantes dos lobos lá fora enquanto celebravam sob a luz do luar. Charlie sabia que nunca seria uma deles. Ela sempre seria o saco de pancadas da matilha, a garota sem passado e sem futuro.
