


Quando o tempo será seu
Crystal viu como os olhos afiados e inquietos da criatura se tornaram completamente redondos, exatamente como um gato feroz faria diante de seu humano favorito. Isso fez Crystal sentir um calor no peito, embora ela não soubesse por que olhar para a criatura à sua frente lhe trazia uma sensação de nostalgia.
Crystal olhou fixamente para a criatura à sua frente, seus olhos traçando os detalhes intrincados das escamas que pareciam uma armadura. Ela não pôde deixar de sentir uma profunda conexão com esse ser misterioso, mesmo que nunca tivesse visto nada parecido antes.
Mais uma vez, sem o consentimento de seu cérebro, sua mão agia por conta própria, enquanto ela a levantava até a altura da cabeça, chamando a criatura para se aproximar. A cabeça de galo inclinou seu longo pescoço e a olhou cautelosamente, como se examinasse suas intenções. Quando não detectou malícia, caminhou em sua direção, fazendo o coração de Crystal bater duas vezes mais rápido.
Agora estavam cara a cara, com Crystal sentada corretamente de joelhos enquanto a criatura colocava a cabeça sob sua mão, claramente desejando carinho.
Crystal olhou nos olhos da criatura, sentindo uma conexão que não conseguia explicar. Enquanto acariciava sua cabeça, lágrimas escorriam pelo seu rosto, as emoções que sentia eram avassaladoras. Embora sempre tivesse sido capaz de sentir as emoções dos animais, falar com eles e empatizar com seu sofrimento, nunca havia experimentado tal intensidade antes, nem mesmo com humanos. A criatura estava comunicando algo a ela, algo além das palavras.
A criatura à sua frente estava claramente experimentando uma dor dilacerante que Crystal não conseguia nem imaginar, como se tivesse sido torturada tanto física quanto emocionalmente por um tempo impossivelmente longo. Escuridão e solidão pareciam envolvê-la de todos os lados, onde quer que estivesse.
"Você... você me conhece?" Crystal perguntou timidamente, sentindo uma inexplicável sensação de familiaridade entre eles. Ela ouviu uma voz dentro de si que dizia que eles realmente se conheciam.
"Dói muito?" ela perguntou, tentando esconder o tremor em sua voz, como se fosse um pai escondendo suas emoções de uma criança. A voz dentro de sua cabeça não respondeu à sua pergunta, mas em vez disso a instou a se esconder.
"Esconda-se, pois em breve você se encontrará em um local desconhecido."
Crystal franziu a testa, tentando compreender o significado por trás dessas palavras. De repente, ela não conseguia sentir nada, nenhuma emoção vinda daquela criatura, como se ela voluntariamente a bloqueasse de espiar sua consciência.
"O que você quer dizer? Por que eu tenho que me esconder?" Crystal perguntou, seus dedos ainda acariciando as escamas da cabeça e do pescoço da criatura, mas sua voz tremia de incerteza.
"Lamento informar que não posso divulgar todas as informações a você neste momento. No entanto, tenha certeza de que, em devido tempo, você compreenderá a razão por trás da minha declaração. É imperativo que você esconda todas as suas habilidades, tanto conhecidas quanto desconhecidas, dentro de sua própria mente. Você não deve revelá-las a ninguém, nem mesmo aos seus conhecidos mais íntimos," respondeu a criatura de forma enigmática e ominosa, sua voz ressoando em sua cabeça.
Os olhos de Crystal se arregalaram com a revelação. "Conhecidas e desconhecidas? Eu ainda não sei minha verdadeira identidade, e há mais para explorar?" ela gritou levemente involuntariamente mais uma vez.
"Desculpe," ela rapidamente acrescentou, sentindo a incerteza da criatura em relação ao seu comportamento. "Eu só quero me conhecer. Meus pais têm escondido algo de mim, e pela primeira vez, alguém está realmente falando comigo em meus sonhos. Você não pode me dar nem uma dica sobre quem ou o que eu sou?"
Os olhos da criatura suavizaram e ela encostou a cabeça em seu ombro, confortando-a de uma maneira que ela nunca havia experimentado antes, parecia um abraço de um companheiro do passado. Ela não pôde evitar as lágrimas que escorriam pelo seu rosto, manchando seu vestido bordô. Foi só então que ela notou a semelhança de tons entre seu vestido e as escamas da criatura, sugerindo ainda mais uma possível conexão entre os dois.
"Crystal, imploro que você mantenha a calma," a criatura sussurrou suavemente, sua voz reverberando em sua mente mais uma vez. "Embora eu não possa revelar tudo a você agora, como mencionei, peço que espere até seu décimo oitavo aniversário. Você logo descobrirá algo que esclarecerá a questão. É crucial que você esconda suas habilidades de qualquer possível perigo, mesmo de seus aliados mais próximos, para desvendar toda a verdade. Só então você alcançará a tranquilidade interior que sempre buscou."
Crystal estava hesitante em confiar nessas palavras tão facilmente. No entanto, a maneira como sentia as emoções da criatura a fazia acreditar que a maior parte do que ele dizia era verdade. A criatura levantou a cabeça de seu ombro e pressionou o bico contra o nariz de Crystal, cobrindo-a com suas enormes asas. Ela fechou os olhos, sentindo-se segura e protegida, como se estivesse nos braços de sua verdadeira família.
"Devo partir, e não posso garantir que nossos caminhos se cruzarão novamente tão cedo," a criatura declarou enquanto sua voz ficava mais fraca. "No entanto, confio que o destino nos reunirá mais uma vez. Lembre-se, a paciência é uma virtude que lhe servirá bem." E a criatura começou a desaparecer de sua vista.
Crystal acordou de seu sono, e lágrimas escorriam pelo seu rosto. Esse sonho parecia mais real do que qualquer outro que ela já tivera antes. Ela sonhara em fugir de uma sombra carmesim escura nos corredores de um antigo prédio histórico, procurando por uma melodia ao redor de uma fonte gigante, ou caindo em um abismo escuro sem fim.
Em alguns de seus sonhos, ela via outras pessoas também. Sonhava com alguém entregando um bebê ou colheitas florescendo ou murchando, mas não podia compartilhar esses sonhos com ninguém. Seus pais a haviam avisado que as pessoas a considerariam uma pária se soubessem, e só a ideia a assustava.
A única fonte de consolo para Crystal era o amor das pessoas da vila, e a ideia de perder esse amor era aterrorizante.
Ela se levantou com o coração pesado, sentindo como se o peso do mundo estivesse sobre seus ombros. A luz pálida do amanhecer mal havia entrado em seu quarto, lançando uma sombra melancólica sobre tudo. Ela sabia que tinha que enfrentar o dia, mas a ideia a fazia se sentir ainda mais cansada do que antes.
Com passos lentos e lânguidos, ela caminhou em direção à janela, como se sua própria existência fosse um fardo a ser carregado. Quando chegou, olhou para o quintal de sua pequena casa pitoresca, que ficava na extremidade da vila adormecida.
Enquanto olhava para fora, uma visão deslumbrante se desdobrou diante de seus olhos. O sol estava lentamente, mas seguramente, nascendo sobre a floresta distante, lançando um brilho dourado quente e acolhedor sobre tudo o que tocava. Ela não pôde deixar de sentir uma sensação de admiração ao contemplar a beleza pura da cena diante dela.
Enquanto estava ali, perdida em pensamentos, uma brisa fresca passou por sua pele, fazendo-a tremer involuntariamente. A memória de seu sonho voltou à sua mente, e ela não pôde deixar de se perguntar se a floresta que via lá fora era a mesma que tinha visto em seu sonho, ou se era um lugar que nunca tinha visto antes, como em seus outros sonhos.
O pensamento a atormentava, instigando-a a olhar mais de perto e ver se conseguia encontrar algo que lhe fornecesse uma resposta. Ela se inclinou para frente, seu hálito embaçando a janela, e examinou a floresta abaixo com uma intensidade nascida do desespero.
"Nos sonhos, mentimos,
Pois o selvagem é o céu.
Você verá, um dia,
Quando o tempo for seu,
Você será,
Você será,
Você será capaz de conquistar."
Ela cantou suavemente, a melodia em sua cabeça ganhando vida própria. Era uma canção que ela já tinha ouvido antes, inúmeras vezes, em seus sonhos e às vezes até quando estava acordada.
Muitas vezes, isso a assustava, mas ao mesmo tempo, havia algumas ocasiões em que aquela melodia lhe trazia conforto em tempos de desolação. Conversar com aquela criatura hoje em seu sonho, mas hoje tinha um significado mais profundo, e as palavras da canção pareciam ressoar com ela em um nível totalmente novo. Ela se sentia conectada.
'Você verá um dia, quando o tempo for seu.' A criatura deve estar insinuando a mesma coisa que a canção, ela não podia dizer com certeza, mas ainda havia uma possibilidade.