Capítulo Dois: Retificado
No dia seguinte, o tempo passou rápido. Griffin tinha passado a noite na minha casa para ajudar a me acalmar antes de reencontrar o tio dele. Ele me disse que não fazia ideia de quando a família dele chegaria, mas que viria até minha casa depois para me contar como tinha sido.
Eu tinha um dia de folga do trabalho, um dia que normalmente passaria inteiro com Griffin, mas, por causa da família dele, isso não foi possível. Acabei ficando perambulando pela casa, tentando ocupar o tempo. Meu pai até me convidou para acompanhá-lo em uma pescaria que ele estava planejando. Seria ótimo sair de casa, mas eu queria estar disponível para apoiar Griffin. Estaria ali do lado se algo acontecesse.
Como o dia estava lindo, decidi não ficar trancado em casa e fui para o quintal dos fundos ler um pouco. Saí pela porta de trás, com o livro na mão, quando gritos vindos da casa de Griffin chamaram minha atenção. Virei a cabeça e consegui distinguir a voz dele, mas também ouvi a voz de outro homem, uma voz que eu não conhecia. Isso significava que devia ser um dos parentes que vieram visitá-lo.
Por um momento, passou pela minha cabeça ir até a casa dele para tentar ajudar, mas logo percebi o quanto isso seria estúpido e desrespeitoso. Eu nunca conheci ninguém da família de Griffin, exceto o tio dele, e só sei o pouco que ele me contou ao longo dos anos. Embora eu confie em Griffin e saiba que ele não mentiria para mim, toda história tem dois lados, e provavelmente há muitas coisas que eu desconheço.
Com um leve suspiro, saí de casa de vez e fui até a mesinha de piquenique que temos no quintal. Assim, se Griffin olhar pela janela, vai me ver sentado aqui e saber que ainda estou do lado dele. Sentei-me enquanto abria o livro, tentando me concentrar nas páginas à minha frente, mas os gritos constantes vindos da casa deles estavam tornando isso difícil. Por mais que eu quisesse respeitar a privacidade deles, os berros deixavam pouco espaço para a imaginação.
— Você não tem outra escolha, Griffin. Esse problema não vai se resolver até você voltar para casa — gritou a voz do homem. Que problema seria esse? E peraí, Griffin vai ter que ir embora?
— Eu tenho escolha, sim! Agora sou maior de idade para tomar essas decisões. Esse problema de vocês não tem nada a ver comigo! Vocês me mandaram embora daquela vida! Não quero nada com vocês nem com o mundo em que nascemos. Acabou! — respondeu Griffin, gritando de volta. Pelo tom da voz dele, dava para perceber que ele estava irritado, mas também preocupado ao mesmo tempo.
— Goste ou não, você ainda é um membro importante desta família, Griffin. Por causa disso, qualquer problema que a família enfrentar, você também vai enfrentar — disse o homem, o que não era totalmente justo. Afinal, Griffin não faz parte da família deles há alguns anos.
“Você não pode escolher quando eu faço parte da família ou não. Você me mandou embora porque eu não me encaixava no que você e todo mundo ao nosso redor consideravam a família perfeita! Como eu já disse, a decisão é minha, e eu escolho ficar bem aqui e não voltar pra resolver algum problema! Eu não faço mais parte da sua família, faça o que você fez pelos últimos dez anos: ignore a minha existência.” Griffin fala, a dor evidente na voz dele. Eu olho para a casa dele mais uma vez, sentindo muito por ele.
Depois de alguns segundos, a porta dos fundos da casa dele se abre, e ele aparece. Ele caminha até o jardim dos fundos, passando a mão pelo cabelo de um jeito estressado. Seja lá o que estavam discutindo ou o problema que continuavam mencionando, parece que está pesando muito nos ombros dele. Ele vira a cabeça na direção da minha casa, e os olhos dele encontram os meus. Eu mando um leve sorriso enquanto ele caminha até o portão do jardim.
“Olha só você, toda bonita.” Ele sorri enquanto eu me levanto da cadeira e vou ao encontro dele no meio do caminho. Eu olho para mim mesma com um sorrisinho.
Como o dia estava lindo, algo que na Inglaterra não acontece com frequência, achei que seria legal vestir meu vestido de verão verde favorito. Ele tem pequenas flores brancas cobrindo todo o tecido, embora seja um pouco curto.
“Como estão as coisas lá dentro?” pergunto, apontando para a casa atrás dele. Isso faz o sorriso desaparecer dos lábios dele, e ele olha para baixo. “Eu vim pra fora pra ler, mas só consegui ouvir os gritos. Aposto que a rua inteira ouviu.” digo com um leve sorriso, mas ele balança a cabeça como resposta.
“É exatamente como eu imaginei que seria. Eles não vieram aqui pra saber como eu estou ou pra se desculpar pelo jeito que me trataram. Só estão atrás dos próprios interesses e necessidades.” Ele suspira, ainda olhando para o chão. Eu suspiro também, colocando a mão no braço dele com um olhar de compaixão. “Eles estão tão absortos nas próprias vidas que não me querem pelo que eu sou, mas pelo que querem que eu me torne. Querem que eu seja igual a eles, que não dê a mínima pra ninguém. Eu já fui assim, e levei anos pra mudar, mas eles não se importam.” Ele murmura, tentando esconder a mágoa com raiva, mas eu consigo enxergar através disso.
“É uma perda pra eles. Eles perderam a chance de conhecer a pessoa incrível que você se tornou desde que chegou aqui. Tudo que você precisa lembrar é que você tem uma escolha. Se não quer voltar lá e lidar com essa bagunça, ninguém pode te obrigar. Ninguém pode te transformar em alguém que você não quer ser. Continue sendo você, isso é o suficiente. Você é o suficiente.” Eu sorrio, falando a verdade. Ele levanta o olhar pra mim, soltando uma risadinha, mas dá pra ver a felicidade no rosto dele.
“O que eu fiz pra merecer você?” Ele pergunta, me puxando pra um abraço. Eu sorrio, apoiando a cabeça no ombro dele enquanto ficamos ali, com a cerca no meio de nós dois.
Começo a sentir olhos me observando de algum lugar. Olho ao redor por alguns segundos, mas não consigo ver ninguém. Meu olhar então se volta para a janela da cozinha de Griffin, onde um homem está parado, observando o que Griffin e eu estamos fazendo. Ele é incrivelmente bonito; fico impressionada com sua beleza antes que meus olhos se fixem nos dele. Seus olhos azul-claros penetram nos meus, e o mundo inteiro, como eu o conhecia, começa a desaparecer enquanto o encaro.
É como se meu corpo estivesse me dizendo para correr o mais rápido possível na direção daquele homem, mas minha mente, fazendo a coisa sensata, continua me lembrando que isso não pode acontecer. Os olhos dele carregam tantas emoções: felicidade, desejo e também raiva.
Antes que eu tenha tempo de estudá-lo mais, Griffin se afasta do abraço, o que me tira do transe. O que acabou de acontecer e quem é aquele homem?!
"Obrigado, Rose, eu precisava ouvir tudo isso", diz Griffin, sorrindo enquanto coloca as mãos nos meus braços. Eu sorrio de volta, voltando minha atenção completamente para ele. "Já terminei de falar com eles. Vi seu pai carregando umas compras ontem, que tal a gente ver que mistura a gente consegue inventar pro almoço?", pergunta ele, o que me faz rir. Só Griffin mesmo pra transformar um momento doce numa piada.
"Vamos ver se a gente não quase se envenena como da última vez", brinco enquanto ele pula a cerca e cai no meu quintal, jogando o braço sobre meus ombros enquanto caminhamos juntos até a porta dos fundos.
"É isso que torna tudo divertido, o aspecto do perigo", ri Griffin enquanto chegamos à porta dos fundos e entramos em casa, onde havia uma pessoa incrivelmente irritada, que tinha perdido a gente de vista, esperando do lado de fora.
Griffin se recusou a voltar pra casa pelo resto do dia. Ele me disse que não queria voltar até que a família dele tivesse ido embora. Mas toda vez que eu olhava pela janela, os carros caros ainda estavam estacionados na entrada da casa dele. Se a família dele for parecida com ele, também vão jogar o jogo da espera.
Mas falando da família de Griffin, não consigo parar de pensar no homem que vi na janela. Ele era incrivelmente bonito, nunca vi outro homem como aquele antes! Mas sejamos honestos, os caras aqui da cidade não são lá grandes coisas pra se empolgar. Eu queria perguntar a Griffin quem era aquele homem, mas a família dele parece ser um assunto delicado no momento, então preferi ficar de boca fechada.
"Se você tá planejando ficar, pega o colchão inflável no sótão e coloca no chão do seu quarto, Rose", diz meu pai depois de terminar o jantar. Griffin e eu estamos sentados lado a lado no sofá oposto. "Você pode ficar o quanto quiser, Griffin, mas lembre-se, em algum momento você vai ter que encarar a situação. Deixar isso se arrastar só vai causar mais problemas", avisa meu pai com um sorriso gentil, mas todos nós sabemos que o conselho que ele está dando a Griffin é verdadeiro.
Griffin lança um leve sorriso para o meu pai antes de voltar sua atenção para o prato, as palavras do meu pai ainda reverberando em sua mente. Eu também envio um pequeno sorriso para ele antes de me levantar e ir para a cozinha, onde meu pai está lavando o próprio prato enquanto se estica para pegar o meu.
— Tô preocupada com ele, pai. Ele pode parecer que tá com raiva por causa da família, mas eu consigo perceber o quanto ele tá chateado de verdade — digo com um suspiro, encostando no balcão, enquanto meu pai continua de costas para mim, de frente para a pia. — Não quero me meter nos assuntos da família dele, porque isso não tem nada a ver comigo, mas também não quero ficar só olhando enquanto o Griffin passa por tudo isso.
Minhas palavras fazem meu pai parar de lavar a louça. Ele se vira para mim, me lançando um daqueles sorrisos reconfortantes enquanto fala.
— Tudo o que a gente pode fazer é apoiar o Griffin. Nós, mais do que ninguém, sabemos como questões de família podem ser complicadas. Às vezes, o único jeito é esperar e torcer pelo melhor. Tem coisas que só a própria família consegue resolver, por mais que os amigos queiram ajudar e oferecer apoio. Só quem tá dentro da família pode consertar isso de verdade — explica ele, e eu sei que ele tá certo. Eu poderia falar algo errado e acabar piorando a situação. — O Griffin sabe que você se importa, Rose. Se tiver algo que você possa fazer pra ajudar, ele sabe que pode contar com você. Continua fazendo o que você tá fazendo.
Meu pai sorri, colocando a mão no meu ombro. Eu aceno com a cabeça, concordando com ele, embora saiba que vai ser difícil ver o Griffin passar por tudo isso.
Ele sorri mais uma vez e me dá um beijo na testa antes de sair da cozinha. As coisas que ele disse ficam ecoando na minha mente. Logo depois, Griffin aparece com o prato vazio e começa a lavá-lo sozinho. Nenhum de nós diz uma palavra. Eu queria perguntar mais sobre a família dele pra entender melhor, mas também sei que o que meu pai falou tá certo.
— Você não vai mesmo me obrigar a dormir num colchão inflável, vai? — pergunta Griffin com um sorriso, enquanto coloca o prato no escorredor. Eu dou um sorrisinho, mas reviro os olhos com o comentário dele. — Vamos ser sinceros, não vai ser a primeira vez que a gente dorme junto.
Ele sorri maliciosamente, piscando pra mim, o que me faz revirar os olhos de novo com as provocações dele.
Sim, Griffin e eu já ficamos juntos algumas vezes no passado, algo que meu pai não sabe. Cada vez que isso aconteceu não significou nada. Nós dois temos um acordo mútuo de que nunca vai surgir nada romântico disso. Quando cada um de nós encontrar a pessoa com quem quer se casar, esse arranjo vai acabar.
— A gente tem que pelo menos fingir que você vai dormir no colchão inflável, anda logo — digo com uma risada, puxando ele pra irmos ao sótão, mas sei que outros pensamentos devem estar girando na cabeça dele.



























































































