


O alvo
Era noite e não havia iluminação. A lua estava escondida, tornando a noite ainda mais escura. Eu caminhava lentamente pela rua, já sentindo uma forte dor nas pernas e nos pés. O lugar estava totalmente vazio, exatamente como eu me lembrava. Caminhei até a beira daquela montanha, bem onde não havia parapeito.
Olhei para baixo, mas a escuridão me impedia de ver o que havia no fundo. As lágrimas escorriam pelo meu rosto com força total e eu respirei fundo, me preparando para dar mais um passo.
Um passo era a única coisa que me separava da paz que eu tanto sonhava. Eu não queria mais ouvir palavras de conforto e todas as falsas promessas de que tudo ficaria bem no final. Não há como essa história terminar bem! Tudo começou de uma maneira ruim e vai terminar do mesmo jeito.
Senti o vento frio da noite soprar no meu rosto mais uma vez, fazendo-me secar as lágrimas. Agora eu estava enfrentando meu "fim" com mais coragem e ligeiramente satisfeita. E assim como costumava ser no passado, eu perdi.
[***]
"Jovem e tão bonita, é realmente uma pena". Ela suspira.
"Ela fez a escolha dela". Ele resmunga sem paciência.
"Vocês dois podem ficar quietos? Não consigo assistir assim". Kelly reclama pela milésima vez, esperando poder assistir a um programa confortavelmente com seus pais.
"Onde está a Laura?" Kelly pergunta, fazendo uma careta ao se lembrar da irmã.
"Atrasada como sempre". Mamãe revira os olhos.
"Ela deve ter pegado trânsito, já já chega". O pai fala, como sempre defendendo as filhas.
"Já estou aqui". Eu falo, chamando a atenção de todos, que olham para mim um pouco surpresos.
"Há quanto tempo você está aí?" Minha mãe pergunta, olhando para mim atentamente.
"Um pouco mais de 10 minutos". Respondo e caminho até meu pai.
Como sempre, meu pai me recebeu de braços abertos e com um sorriso no rosto.
"Está tudo bem?" Ele pergunta, olhando para mim com preocupação.
"Sim". Respondo forçando um sorriso.
"Sente-se, a melhor parte está para começar". Minha mãe fala apressadamente.
Ela bate no lugar desocupado no sofá, que estava ao lado dela, e eu me sento. Logo todos prestamos atenção ao programa na TV. Aquele momento era sagrado para todos os Garcias. Todo domingo, às 9 da manhã, nos reuníamos na casa dos meus pais e assistíamos ao nosso programa favorito. Fazíamos isso desde pequenos e não sei quando se tornou uma tradição, mas era realmente algo muito importante para todos nós.
Lembro da primeira vez que perdi nosso encontro semanal e do jeito que meu pai olhou para mim. Eu o observo, que estava concentrado comendo alguma fruta. Troquei um momento importante com minha família para receber o chefe do Joy e ajudá-lo a conseguir sua promoção. Não só isso, mas muitas outras coisas que negligenciei fazer por ele.
Ontem tudo parecia desmoronar e eu percebi o quão tola eu fui. Queria descontar tudo o que estava sentindo em alguém, mas acabei escolhendo o alvo errado. Estava prestes a pular daquela montanha e acabar com a tortura que foram esses últimos dias. Então algo, que eu deveria chamar de milagre, começou a iluminar dentro de mim e eu comecei a entender. Eu tinha dado o meu melhor e fui fiel até o fim. Ele era o errado, não eu. Eu estava machucando as pessoas erradas todo esse tempo, mas agora eu tinha um alvo claro para aceitar. E eu iria destruí-lo.
"Tenho uma entrevista de emprego amanhã". Falo e todos me olham um pouco perplexos.
"Mas já, querida?" Meu pai pergunta, olhando para mim surpreso e preocupado.
"Você não quer esperar um pouco mais?" Minha irmã, Kelly, pergunta, também preocupada.
"Eu preciso disso, acho que vai me ajudar a colocar tudo no lugar". Explico, esboçando um sorriso para os dois.
"Você está certa, não há tempo a perder. A vida passa num piscar de olhos, não se pode perder tempo com pessoas inúteis". Minha mãe fala seriamente, olhando para a televisão.
Ela era dura, afinal, era uma empresária. Não se pode trabalhar em um emprego que é feito para homens e não se tornar dura como aço, como minha mãe. Tudo parecia tão fácil de resolver ao redor dela, sua força era a inveja de qualquer um. Meu pai, por outro lado, tinha uma pequena oficina, mas era conhecido por toda a cidade pelo seu ótimo serviço e cuidado. Ele era o sentimental e minha mãe era a durona. Sempre a invejei, sempre quis ser como ela. Agora quero experimentar como é estar no topo.
"Posso te levar para a sua entrevista". Meu pai fala com um sorriso gentil.
"Eu aceito". Respondo com um sorriso, sentando-me ao lado dele.
Eu o abraço e volto a prestar atenção no programa, como de costume. Fecho os olhos e suspiro, sentindo-me totalmente em paz. Quando foi que comecei a ignorar a importância disso?
[***]
Eu estava em frente àquele enorme prédio e sentia minhas mãos suando.
"Você é maravilhosa, e se eles não enxergarem isso, não são bons o suficiente". Meu pai fala.
Eu olho para ele com um sorriso e ele pisca para mim. Eu o abraço e agradeço pela carona.
"Boa sorte". Ele deseja e vai embora.
Eu encaro aquele prédio novamente e respiro fundo, finalmente criando coragem para entrar. Vou até a recepção, onde sou encaminhada para o oitavo andar. O prédio tinha 15 andares e todos eram da mesma empresa. Parker Company, uma das maiores do país. Ajusto minha blusa novamente, enquanto vejo meu andar se aproximando. Quando as portas se abrem, prendo a respiração e caminho até o balcão.
"Meu nome é Laura Garcia e estou aqui para uma entrevista de emprego". Falo para a recepcionista que apenas acena com a cabeça e pega uma lista.
"Você pode esperar na sala de espera, o Sr. Parker vai te chamar em breve". Ele fala com um sorriso e eu aceno.
Entro na sala de espera e me sento. Há outras três pessoas lá, todos homens. Eles me olham um pouco surpresos e eu tento ignorá-los, apenas cumprimentando educadamente. Pego um copo de água e fico ali, observando cada um ser chamado.