Capítulo 1
Sob o profundo Oceano Atlântico—muito mais profundo do que qualquer olho humano já viu—estava o reino de Tidalonia, um mundo de cidades cintilantes construídas de coral e ouro, onde milhões de sereias e tritões prosperavam.
O reino transbordava de tesouros que os humanos só poderiam sonhar: ouro, prata, diamantes, pérolas, rubis—relíquias encantadas que brilhavam mais do que o sol. E ainda assim, com toda a sua beleza, era governado por um homem que entendia uma coisa: a satisfação nunca dura.
O Rei Nereus Aquaris, o governante de Tidalonia, havia feito um acordo perigoso com a bruxa do mar, Nereida—para conceder a cada criatura do oceano um único desejo. O resultado foi lealdade instantânea; seu povo o adorava.
Todos, exceto seu próprio filho.
O Príncipe Nixxon Aquaris, o segundo filho do rei, via através da ilusão. Ele sabia que a benevolência de seu pai não passava de uma encenação—mais uma maneira de controlar corações. Para o mundo, ele era o governante perfeito. Para Nixxon, ele era um mentiroso.
Pior ainda, Nixxon havia sido amaldiçoado com o papel de ovelha negra da família—enquanto seu irmão mais velho, Maren, o herdeiro dourado, não podia fazer nada de errado. Cada lei que Maren obedecia, Nixxon quebrava antes mesmo de ser pronunciada.
Mas a verdadeira ferida entre pai e filho era mais profunda do que a desobediência.
Era traição.
O Rei Nereus estava forçando-o a um casamento político com a Princesa Valtira de Abissalia—a filha do Rei Pelagius, o homem responsável pela morte de sua mãe.
No dia em que seu pai anunciou a aliança, algo dentro de Nixxon quebrou.
Ele preferia ser exilado a se casar com alguém do sangue do assassino de sua mãe.
Então, naquela manhã, enquanto os guardas do palácio trocavam de turno, Nixxon se preparou para fugir.
Ele deslizou para fora de seu quarto, suas escamas prateadas e violetas brilhando levemente na luz fraca. Ele amaldiçoou o modo como elas cintilavam—isso tornava a furtividade quase impossível. Ainda assim, ele disparou pela escadaria dourada, passou pelos pilares de prata brilhantes e entrou no grande salão esculpido em pedra viva. As paredes cintilavam com azulejos de madrepérola, lançando reflexos ondulantes em seu rosto.
Finalmente, ele alcançou a grande porta de concha dourada—a última barreira entre ele e a liberdade.
Mas a liberdade exigia silêncio. Um som alto demais, e seu pai saberia.
Ele prendeu a respiração, girou lentamente a maçaneta de prata… e congelou.
Seu coração parou.
Porque bem na sua frente—bloqueando sua fuga—estava o próprio Rei Nereus, com o Rei Pelagius ao seu lado.
“Indo a algum lugar, Xon?” A voz de seu pai era calma, mas mortal.
A cauda de Nixxon se mexeu nervosamente. Sua garganta estava seca. Ele tentou recuar, mas a pesada presença do rei enchia a sala como uma tempestade.
“Você cumprimentará seu futuro parente apropriadamente,” disse Nereus friamente.
Nixxon hesitou, mas fez uma leve reverência, a amargura subindo como bile.
“Deixe o garoto em paz, Nereus,” disse Pelagius, avançando com aquele sorriso presunçoso que fazia o sangue de Nixxon ferver. “Ele vai ceder.”
"Duvido," rosnou Nereu.
Antes que Nixxon pudesse responder, uma voz - suave, arrogante e dolorosamente familiar - cortou a água.
"Oh, Pai, você não vai acreditar no que aquelas criaturas de baixa estirpe tentaram..."
"Valtira," Pelágio advertiu bruscamente.
A princesa parou no meio da frase e imediatamente mudou o tom. "Perdoe-me," disse, exibindo um sorriso ensaiado. "Saudações, grande Rei Nereu."
"Bem-vinda, Princesa Valtira," Nereu respondeu, satisfeito.
"Por favor - Valtira está bem, meu Rei. Afinal, logo serei sua nora," ela ronronou, enquanto seus longos cabelos prateados ondulavam elegantemente atrás dela.
Nereu riu, virando-se para Nixxon com uma aprovação fingida. "Pelo menos uma delas é sensata."
Pelágio sorriu de lado. "De fato."
Nixxon cerrou os punhos ao lado da escultura de sua mãe, a raiva pulsando em seu peito.
Ele queria gritar. Queria arrancar a arrogância de seus rostos.
Mas permaneceu em silêncio - até que seu pai chamou novamente.
"Venha aqui, Xon."
Nixxon obedeceu lentamente, cabeça baixa. "Sim, Pai."
Os olhos de Valtira o seguiram famintos enquanto ele nadava mais perto. Sua beleza não significava nada para ele. Por trás daquele rosto bonito havia podridão - crueldade herdada de seu pai. Ele ouvira como ela tratava os merfolk de classe baixa. Ele a desprezava.
"Leve sua noiva para um passeio," ordenou Nereu. "Seu futuro sogro e eu temos um casamento para preparar."
Nixxon congelou.
Casamento? Amanhã?
Suas escamas escureceram - um sinal físico de tumulto. "O quê?" ele sussurrou, a voz trêmula.
"Você me ouviu," disse Nereu, de maneira firme. "Está decidido."
"Não." Sua voz aumentou. "Eu não vou me casar com ela."
A sala ficou mortalmente silenciosa. Até a água parecia se aquietar ao redor deles.
"Você me ouviu, Xon?" O tom de seu pai afiou-se como uma lâmina.
"Ouvi. E minha resposta permanece." Ele se virou bruscamente para encarar Pelágio, sua raiva emergindo. "Eu nunca vou me casar com a filha do assassino da minha mãe!"
No instante seguinte, um redemoinho explodiu onde seu pai estava de pé.
Antes que Nixxon pudesse reagir, uma mão poderosa o golpeou no rosto, lançando-o contra uma prateleira de tesouros cintilantes. Jóias e conchas caíram ao seu redor.
A dor atravessou sua bochecha, mas ele encontrou o olhar furioso de seu pai sem vacilar.
Seu sangue fervia. Suas escamas brilhavam mais escuras.
"Você me desonrou," disse Nereu friamente, a voz ecoando pelo salão.
"Agora vejo," Nixxon ofegou, a respiração trêmula, "você nunca a amou. Nunca amou a Mãe. Não me surpreenderia se você também tivesse participação na morte dela—"
"Chega!" rugiu Nereu, e antes que Nixxon pudesse se mover, a ponta afiada do cetro dourado cravou-se profundamente em seu ombro.
Nixxon gritou, sua visão piscando de dor enquanto o cetro brilhante queimava sua carne.
O sangue turvou a água ao seu redor - um vermelho brilhante contra o ouro.
E enquanto a sombra de seu pai pairava sobre ele, Nixxon pensou em apenas uma coisa:
Ele escaparia.
Mesmo que isso o matasse.
