As primeiras chamadas

POV da Sophia

Acordei com o barulho do despertador e bocejei, olhei para o relógio e era hora de voltar ao trabalho. Nada havia acontecido enquanto eu dormia. Levantei, tomei um banho rápido, escovei os dentes, fiz minhas necessidades, depois vesti um uniforme novo e limpo, ajeitei meu crachá e saí do quarto.

Logo estou no 42º andar, a primeira coisa que notei é que alguns guardas haviam trocado de turno, assim como o médico responsável. Arqueei uma sobrancelha ao ver as atualizações no tablet que peguei na recepção.

“Oi Julie, bom dia.” Cumprimentei minha amiga.

“Oi Soph, que bom que você voltou.” Ouvi ela falar, aliviada.

"Aconteceu alguma coisa?" Fiquei tensa, mas não tirei os olhos do tablet, passando pelas informações de cada paciente, parecia que a maioria que estava lá ainda não havia sido liberada, era porque havia um traço de prata no organismo.

“Essas pessoas, você sabe…” Julie falou em um tom baixo e eu respirei fundo.

Eram o tipo de pessoas que eu odiava, que queriam tudo do jeito delas e não aceitavam menos. Dinheiro não comprava tudo, embora comprasse muitas coisas.

“Relaxa, vai pra casa, você precisa de uma pausa.”

Falei enquanto indicava a saída dela do turno e pedia por sua substituição.

"Obrigada! Você salva vidas!”

Soltei uma risada baixa e me virei, começando a caminhar em direção aos quartos. Notei que os guardas estavam tentando me intimidar com os olhos e eu apenas ignorei, já tinha visto coisas piores.

Os primeiros pacientes logo poderiam ser liberados, a medicação para remover metais pesados do corpo já estava funcionando, quando cheguei aos últimos três quartos, havia muitos mais guardas.

“Tsi…” Não pude evitar e soltei a expressão antes de entrar no primeiro quarto. O Sr. Andreas Lykaios, tinha múltiplos cortes e ferimentos de facadas, com um alto nível de prata no sistema, mas com boa recuperação, enquanto o sangue era filtrado. Aproximei-me da cama e percebi que uma mulher estava sentada na cadeira ao lado, que, por todos os indícios, era a esposa do homem deitado. Ele tinha uma grande constituição, quase puro músculo, com várias cicatrizes, incluindo uma que tomava parte do rosto no lado esquerdo, ele era alguém que muitos cairiam aos pés, mas eu não me importava. Verifiquei os sinais vitais, a tubulação e pedi para trocarem os lençóis e também para darem um banho de esponja.

“Você deve ser a enfermeira-chefe de quem falam.” Ouvi a voz da mulher enquanto eu olhava o estado das bandagens.

"Sim, sou eu," respondi secamente.

“Hmm… Dizem que você tende a ser mais receptiva.”

Levantei o rosto e olhei para a mulher, ela tinha olhos castanhos escuros, cabelo preto e pele oliva.

“Sou, para aqueles que merecem.” Comecei a caminhar em direção à saída e percebi que ela queria me responder, mas guardou as palavras para si.

Caminhei em direção ao segundo quarto. Lord Achilles Lykaios, irmão mais velho de Andreas, ao entrar no quarto notei que havia dois guardas dentro também, mas não parecia haver esposas ou maridos ali. Ele estava em um estado semelhante ao do irmão mais novo, apenas me aproximei da cama e comecei a fazer as verificações. Diferente de Andreas, Achilles era menor, mas tinha músculos bem esculpidos, cabelo castanho escuro e traços sérios, também várias cicatrizes no corpo, mas nenhuma no rosto e apesar de não gostar muito desse tipo de homem, aquele até chamou minha atenção, mas eu não estava ali para admirar a beleza de ninguém.

Olhando para o prontuário, respirei fundo, ele tinha pelo menos o dobro de prata no sangue em comparação ao irmão, era um milagre ele ainda estar vivo. Anotei algumas sugestões de tratamento e as enviei para a Doutora Miriam, eram tratamentos alternativos, então ela precisaria aprová-los, saí do quarto sem trocar uma única palavra com as pessoas que estavam lá.

Então olhei para a terceira porta e, por algum motivo, senti meu coração acelerar, aquele era o quarto do chefe da família Heroux. Talvez fosse isso, afinal, tenho certeza de que se ele morresse ali o hospital estaria em sérios apuros e as pessoas que trabalhavam com ele seriam demitidas. Entrei no quarto e a primeira coisa que notei foi o cheiro amadeirado, como pinho, maçã, pinheiro, misturado com algo que lembrava couro envelhecido. Arqueei uma sobrancelha, pediria para limparem o quarto imediatamente e olhei para os dois guardas que estavam lá e também para a mulher ao lado da cama.

“Por favor, este é um lugar que deve ser mantido o mais limpo possível, vão se trocar, se eu consigo sentir o cheiro de vocês daqui, não é um bom sinal.”

Não me importei se ficariam ofendidos, me aproximei da cama, olhando para o prontuário, Perseus Heroux, masculino, 32 anos, cabelo castanho claro, encaracolado e curto, corpo não muito musculoso, mas certamente de alguém que costuma treinar, ele parecia emitir uma aura de autoridade, mesmo inconsciente, talvez fossem as cicatrizes. Estava em condições difíceis porque não conseguia filtrar as toxinas no sangue, já que tinha o tipo Bombay, ou seja, falso O, arqueei a sobrancelha novamente, afinal, esse era o meu tipo sanguíneo.

O tipo sanguíneo Bombay era um tipo que não possuía os carboidratos A e B na membrana, não era tão raro quanto o Fator Nulo, mas ainda era uma grande complicação, pois só podia receber doações do mesmo tipo.

Comecei a olhar as informações nos painéis, anotando os números e fazendo algumas alterações que teriam que passar pelo médico responsável para aprovação e torci a boca ao ver que agora a Dra. Miriam estava responsável.

“Tsi…” sussurrei novamente e comecei a olhar as bandagens, vendo que algumas estavam manchadas de sangue. O que não deveria acontecer, quanto mais sangue fosse derramado, pior seria para a recuperação, mesmo que fosse apenas um pouco.

Não sei o que estava acontecendo comigo, mas estar perto desse homem me fazia querer tocá-lo de maneiras nada profissionais, mas consegui manter a postura correta.

“Ele vai ficar bem?” Ouvi a pergunta, a voz masculina, fria e carregada de ameaça.

“Essa é uma pergunta para fazer ao médico responsável,” respondi em um tom de brincadeira enquanto terminava de verificar a última bandagem que ele tinha no abdômen.

“Você deveria saber que usar esse tom comigo pode te fazer ser demitida.”

Olhei para cima para ver quem estava falando comigo, embora já tivesse uma boa ideia de quem era. Era um homem que aparentava ter uns 50 anos, muito parecido com Perseus, mas uma versão mais velha.

“Duvido muito.” Arqueei a sobrancelha esquerda. "Já que sou a melhor no que faço e fui especificamente solicitada para estar aqui, enquanto eu poderia estar em casa dormindo."

Virei meu olhar para o tablet e comecei a adicionar as informações e comecei a caminhar em direção à saída do quarto e senti quando ele agarrou meu braço.

"Se eu fosse você, tomaria cuidado, ninguém é insubstituível."

A ameaça junto com o aperto dos dedos foi quase suficiente para me fazer perder a cabeça, mas respirei fundo e contei calmamente até 10, tentei puxar meu braço levemente, mas ele não soltou.

“Você tem duas opções, soltar meu braço e eu esquecerei essa ameaça… Ou pode continuar me segurando e se arrepender disso.”

Meu autocontrole estava quase no fim, sei que minha voz mostrava o quão sério era o que eu estava dizendo e que eu não aceitava ser tratada da maneira que ele queria e que não, eu não tinha medo dele, ou da família dele.

"Você é apenas uma garota que..."

Abri os olhos e puxei meu braço com força suficiente para ele me soltar e quando fui me virar, ouvi a porta se abrir.

“Sophia Turner!”

Miriam estava lá, olhando diretamente para mim e eu apenas saí do quarto enquanto colocava o tablet na mão dela.

"Pode colocar outra pessoa no meu lugar, estou indo para casa."

Avisei em uma voz baixa e calma, o que era pior do que gritar. Miriam sabia que provavelmente não haveria nada que me trouxesse de volta a este andar.

“Soph…”

Miriam começou a me chamar, mas eu apenas ignorei e continuei andando em direção ao elevador, apertei o botão e tirei o celular para verificar minhas mensagens e e-mails e logo a primeira coisa que apareceu foi que a família Heroux estava pagando para qualquer pessoa com tipo sanguíneo Bombay vir doar sangue no hospital.

“Dinheiro não compra tudo…”

Sussurrei e passei por essa notícia e fui para a próxima, que era um artigo sobre o ataque no restaurante Olympus.

“Soph… Por favor…”

Ouvi o elevador apitar, olhei para ver se ele realmente estava lá e entrei, me virei, podendo ver Miriam e, atrás dela, aquele homem que me havia ameaçado, provavelmente ele também havia ameaçado minha chefe e antes que a porta se fechasse, um dos guardas a segurou. Olhei diretamente nos olhos dele friamente e vi que ele vacilou por um segundo, mas não soltou a porta. Como eu estava com o celular na mão, comecei a discar o número de emergência da polícia.

“Ou você me deixa ir ou vou chamar a polícia e dizer que a família Heroux está fazendo ameaças ao pessoal do hospital e que sou uma refém.”

Avisei calmamente com o dedo perto do botão de ligar.

“Não vai funcionar, simples, quem acreditaria em uma simples enfermeira?”

A voz do homem era zombeteira e seus olhos mostravam que ele não se importava com minha ameaça.

Apertei para chamar e antes que me atendessem, o segurança entrou no elevador para tirar o celular da minha mão, a porta do elevador se fechou enquanto eu desviava do ataque.

“Que tal ficar quieto ou vai ter uma cena bem no meio do térreo com muitas testemunhas.”

Avisei e desconectei a chamada antes que alguém do outro lado atendesse.

“Avise seu chefe que dinheiro e ameaças não compram lealdade e dignidade, que se ele quiser que eu volte, é melhor implorar de joelhos porque eu não aceitarei nada menos que isso.”

Ajeitei meu jaleco enquanto encarava a porta do elevador.

“Hum… Provavelmente vou levar um soco no queixo quando disser isso e também porque não te segurei.”

Ouvi a voz dele, era séria, mas também divertida, uma mistura estranha.

“Você é bem ágil para uma…”

“Mulher? É, é… Eu faço defesa pessoal.” Respondi antes que ele terminasse a frase.

Ouvi o apito do elevador e então as portas se abrindo, saí calmamente.

“Meu próximo turno é ao meio-dia, se ele quiser conversar, é melhor estar disposto a abaixar a cabeça.”

Falei antes que a porta se fechasse e o guarda retornasse ao 42º andar.

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