


Desculpas
Sophia POV
Acordei novamente com o som do alarme e fui tomar meu remédio, lavar o rosto e preparar o café e algo para comer. Fiz tudo o que precisava antes de sair do meu apartamento e ir para o hospital. Eu tinha desligado meu celular só para não saber o que estava acontecendo, era algo que eu sempre fazia, por ordens médicas, porque depois do meu turno eu precisava descansar e não ficar sobrecarregada pensando no trabalho quando não estava trabalhando.
Cumprimentei as pessoas enquanto ia para o vestiário, coloquei meu uniforme, bati o ponto e fui até a recepção pegar meu tablet. Eu ainda estava trabalhando e no meu papel, mas ainda estava designada para o 42º andar, mas como consultora e não responsável. Era essa a maneira dele de se desculpar? Bem, não funcionaria.
Comecei meu turno normalmente, passando pela ala de trauma, conversando com todos e até atendendo alguns casos, quando percebi que era hora do almoço e fui para a cafeteria, peguei o que queria e me sentei imediatamente.
Comecei a responder mensagens dos meus amigos, parece que a família Horoux tinha feito um pequeno alvoroço sobre eu não querer mais trabalhar com eles. Respondi a todos calmamente, apenas dizendo que eu não estava à venda. Sei que não sou médica, mas poderia ter sido, só não quis, e é por isso que os médicos daquele lugar respeitavam minhas opiniões.
Quando o almoço acabou, voltei a fazer as rondas na emergência, até que não precisei de ninguém para me dizer que um daqueles guardas estava lá. Virei-me para ver o mesmo guarda de ontem com as mãos nos bolsos das calças, sorrindo e acenando levemente com a cabeça. Eu sabia o que isso indicava, comecei a caminhar em sua direção.
“Apanhou muito?” perguntei sorrindo de canto.
“Um pouco... Hyperion não costuma ser uma das pessoas mais calmas.”
Notei em seus olhos que ele não se arrependia do que havia acontecido, ele até parecia orgulhoso. Estranho...
“Vocês e seus nomes gregos.” Revirei os olhos e comecei a seguir.
“Meu nome é Alexander, é um prazer conhecê-la, Sophia Turner.”
“Viu, outro nome grego.”
Dei uma risada baixa e entrei no elevador, vendo-o apertar o botão para o 42º andar.
“De onde eu venho, as pessoas gostam de gregos e deuses gregos.”
“Bem, se não gostassem, seria estranho te nomear assim. Você é meu filho/filha e eu vou te dar um nome grego só porque eu os odeio.”
“Hahahahaha, você é engraçada.”
“Eu sou, para quem é legal comigo.”
“Fico feliz que você ache que eu sou legal, assim não serei alvo da sua ira.”
“Só se tentar me atacar de novo.”
A porta do elevador se abriu e então Alexander começou a caminhar em direção a uma das salas que estavam vazias e, como sempre, havia dois guardas do lado de fora. Entrei na sala e vi que ela havia sido convertida em um pequeno escritório e Hyperion estava sentado do outro lado de uma mesa simples de madeira, com um laptop aberto.
“Parece que sou insubstituível, não é?” falei com um sorriso torto, sem precisar levantar a cabeça ou qualquer outra coisa, minhas palavras já mostravam que eu era superior.
"Arrogante..." Hyperion falou e se levantou, tentando me intimidar, talvez, com seu tamanho.
"Tanto quanto você." Eu estava segurando o tablet com as duas mãos para baixo, logo abaixo da cintura, em uma postura relaxada.
"Suas sugestões funcionaram, e além disso, você tem o mesmo sangue que meu filho, mas não vi seu nome na lista de doadores."
Vi ele caminhar, dar a volta na mesa e se encostar nela.
"A doação é algo voluntário." Meus olhos não deixavam os dele e por um segundo vi a cor deles mudar, ficando mais escura.
"Você por acaso quer salvar a vida do meu filho?"
Sua voz estava um pouco mais alta e mostrava a raiva que ele sentia.
"Eu pensei que ninguém fosse insubstituível."
"Ele é meu filho!"
Seu grito fez as janelas tremerem e havia uma aura ao redor dele que faria muitos se curvarem. Se fosse a minha antiga eu, teria fugido chorando, mas agora sou uma pessoa diferente e o que fiz o pegou de surpresa quando dei três passos à frente e fiquei cara a cara com ele.
"Ele pode ser o próprio Deus, mas isso não te dá o direito de ameaçar os outros para conseguir o que quer. A menos que você ache que a vida dele pode ser vendida."
Minha voz estava controlada e meu tom era calmo.
"Ameaçar quem está tentando te salvar não vai fazer as pessoas trabalharem melhor, o medo é um sentimento desprezível e tentar incutir isso em alguém é ainda pior."
Meus olhos não o deixavam.
"Não há dinheiro e ameaças suficientes no mundo para fazer seu filho ficar vivo."
Dei três passos para trás, voltando à minha posição inicial.
"Aqui tratamos vidas pelo simples fato de serem vidas, independentemente de classe social ou qualquer outra coisa. Já vi médicos aqui salvarem criminosos que estavam no corredor da morte enquanto perdiam uma criança na mesa de operação."
Havia tantas emoções no rosto de Hyperion agora, confusão, raiva, orgulho, tristeza e esperança, entre outras.
"Como eu disse ao Alex, lealdade e dignidade não podem ser compradas. Eu não sou obrigada a fazer algo que não quero, então quando pessoas assim chegam, podemos escolher se queremos trabalhar ou não. Eu não me importei de vir trabalhar aqui, até fazendo horas extras, mesmo odiando seu tipo... Se quiser culpar alguém por eu querer ficar longe daqui, culpe a si mesmo."
Terminei meu discurso e esperei sua resposta, os segundos que passaram foram estranhos e um tanto embaraçosos. Finalmente, vi Hyperion soltar um suspiro derrotado e ele caiu de joelhos.
"Por favor, me perdoe, eu..."
Eu sorri e fui até ele, pelo menos ele teve a decência de assumir que estava errado e para alguém com seu poder, isso era extremamente difícil e vergonhoso.
"Obrigada. Ninguém pode garantir que seu filho vai sobreviver, mas todos que estão trabalhando no caso dele estão fazendo o melhor para que isso aconteça."
Meu tom de voz estava mais acolhedor agora.
"Obrigado."
Vi ele se levantar e acenei levemente com a cabeça, saí da sala/escritório, respirei fundo e comecei a caminhar em direção ao quarto de Perseus.
"Você é impressionante."
Ouvi a voz de Alexander atrás de mim e sorri de canto.
"Eu sei." E ouvi ele rindo.
"E humilde também."
"Ei, meu nome é Sophia Humilde Turner."
"Ahahaha!"
Alexander parecia ser um cara legal, um pouco menos sério do que o resto daqueles guardas. Entrei no quarto de Perseus, e a primeira coisa que notei novamente foi aquele cheiro, desta vez um pouco mais forte. Olhei ao redor e vi Miriam lá, as informações dos painéis não eram boas e vi o quão nervosa Miriam estava.
Fui até a mesa de cabeceira, peguei um par de luvas e me aproximei para ajudar Miriam.
"O rim e o fígado não estão conseguindo filtrar as toxinas e não há sangue suficiente para fazer hemodiálise."
Comecei a virá-lo para podermos remover as bandagens ao redor da cintura.
"Não podemos colocá-lo na fila de transplante, porque seria perder um órgão."
Miriam completou muito preocupada.
"Além disso, ele também parece ser alérgico a prata."
As notícias só pioravam, quando terminamos de trocar as bandagens voltei para o tablet.
"Hum..." Comecei a analisar as informações no banco de dados, principalmente do banco de sangue.
"Temos 65 litros de sangue da equipe de Bombay," sussurrei. "Posso doar cerca de 500ml, mas ainda precisaria fazer um ciclo completo."
"Não... não, não..." Miriam disse, pensando que eu ia fazer algo estúpido.
"Pelo que vi, há várias pessoas que podem doar mais de 200ml de sangue, sem problemas ou com efeitos muito baixos."
Comecei a fazer as contas.
"Ficaríamos com 71 litros, com essa margem podemos fazer uma sessão."
Ouvi Miriam respirar aliviada.
"Você pode falar com Hyperion, ele vai pagar para essas pessoas virem doar."
Saí do quarto e comecei a caminhar em direção ao elevador, eu iria para a sessão de doação de sangue. Algo estranho estava acontecendo porque de repente me senti cansada e uma parte de mim não queria se afastar desse homem. Sacudi a cabeça, afastando o sentimento.
"Você está bem?"
Virei a cabeça e vi Alexander com uma expressão preocupada.
"Bem, eu vou ficar." Sorri e apertei o botão do elevador.
"Ele está tão mal assim?"
"Não tenho permissão para falar."
Apertei o botão para o andar da doação e vi que Alexander ainda estava comigo.
"Ei, você não deveria estar lá no andar protegendo a família Heroux?"
"Me pediram para ficar com você também..."
Virei-me para ele com raiva, mas antes de dizer qualquer coisa ele continuou.
"Não, não... Não é o que você está pensando, eu juro..."
Vi ele levantar as mãos no ar.
"É só para garantir que você esteja segura, já que é bastante divulgado que você está no comando daquela área, então talvez você também se torne um alvo daqueles que nos atacaram no restaurante."
"Hum... Não fiquei muito convencida, mas..." Falei mais calmamente após a explicação.
"Eu juro pela... Minha família, Heroux, eles significam tudo para mim." Arqueei minha sobrancelha esquerda, ele ia dizer outra coisa, mas decidiu mudar de direção.
"Assim até parece que eles são mafiosos," sorri, era melhor não pressionar.
"E não é todo bilionário assim?"
"Sim, você está certa."
Entrei na ala e vi várias pessoas lá, fui até uma das cadeiras e me sentei. Logo vi Joshua se aproximando.
"Ei! Finalmente! Já estava com saudades!"
Sorri e o beijei de volta, estávamos juntos há alguns meses, mas normalmente no trabalho não mostramos muito afeto, mas foi a primeira vez que senti um incômodo estranho, como se fosse errado fazer isso.
"Meu turno vai acabar em 4 horas." Ouvi ele falando e sorri de canto.
"Eu vou até de madrugada, tenho que seguir o procedimento dos nossos convidados especiais," falei com um pouco de ironia e suspirei, observando ele começar a preparar meu braço para inserir a agulha.
"Que pena, mas acho que temos algum tempo para nos encontrar."
Por que a frase dele me fez sentir enjoada? Será que eu estava ficando doente?
"Dorme em casa então, vai ser mais fácil."
Forcei as palavras para sair da minha boca, mas já fazia alguns dias que ele e eu não conseguíamos ficar sozinhos. Além disso, se eu estivesse ficando doente, seria melhor ter um clínico geral comigo, não seria?
Alexander também parecia desconfortável com a situação.
"Excelente!"
Senti o carinho leve dele na minha mão e sorri, fechando os olhos. De certa forma, estar com Joshua era acolhedor, mesmo que aquele sentimento ruim ainda estivesse em mim.
"Vou voltar mais tarde para verificar tudo."
Apenas balancei a cabeça.
"Vou aproveitar e tirar um cochilo."
Falei de olhos fechados.
Acordei com o toque de Joshua, me balançando levemente.
"Ei, bem-vinda de volta ao mundo dos vivos."
Olhei para ele, piscando várias vezes.
"Hum..."
Ainda estou um pouco tonta, dormi muito profundamente.
"Vamos, So."
Senti o carinho suave na minha bochecha e, em vez de me sentir acolhida, veio uma ansiedade que me fez afastar a mão dele com um tapa.
"Ai!"
Joshua fez uma expressão magoada, mas eu não me senti inclinada a pedir desculpas ou me sentir melhor em relação a ele.
"Desculpa." Forcei as palavras novamente. "Acho que a doação me deixou mais cansada e ansiosa."
Bem, isso era parte da verdade.
"Tudo bem. Você se sente melhor para voltar?" Vi ele pegar o estetoscópio para checar meus sinais e apenas deixei. "Olha, parece que está tudo bem, mas é melhor você comer algo antes de voltar com força total."
"Obrigada." Sorri e toquei meus lábios nos dele só para ver se a reação só acontecia quando o contato era mais íntimo e, bem, não falhou. Pude sentir meu estômago revirar.
Vi o sorriso dele enquanto se afastava, mas minha expressão era de preocupação. Não que eu esperasse me casar com ele, mas Joshua era uma das minhas pessoas favoritas e também um dos meus relacionamentos mais longos.
"O que te preocupa?"
Saí dos meus pensamentos e olhei para o lado para ver Alexander, seu rosto era quase impossível de ler, mas eu com certeza podia ver a raiva contida e a preocupação em seus olhos.
"Hum... Hum..." Como já me disseram, se eu não quisesse responder a uma pergunta, apenas ficasse quieta, levantei-me da cadeira de doação, ajeitei minhas roupas e peguei o tablet que estava ali ao lado.