Capítulo 5
Mira
Era estranho estar de volta ao meu próprio quarto. Tudo estava exatamente onde eu tinha deixado, mas parecia pertencer a um estranho. Os móveis, as roupas: pertenciam a uma mulher do passado, a uma vida que eu estava sendo forçada a deixar para trás.
Eu vagava pelo meu quarto, ansiando por dormir após os eventos tumultuados das últimas vinte e quatro horas. Sentei-me na cama e notei a foto emoldurada na mesa ao lado.
Era uma foto minha e de Ward. Éramos jovens, sorridentes, apaixonados.
Mal ouvi o vidro se quebrar quando a moldura fez contato com a parede, e em minutos eu estava dormindo. O dia seguinte foi um borrão enquanto eu fazia meus preparativos para partir, incluindo uma viagem à unidade médica para discretamente pegar minhas coisas e roubar alguns suprimentos extras. Achei que ser pega roubando itens de primeiros socorros não poderia resultar em um castigo pior do que o que eu já havia recebido.
Acordei cedo no dia da minha partida. Desfiz e refiz as malas, e sentei-me tomando café na minha caneca favorita enquanto aguardava meu destino. Eu esperava tristeza, mas me sentia totalmente entorpecida. A única emoção que senti foi ao pensar em Dominic, imaginando se ele estava seguindo meus conselhos médicos. Fiquei surpresa com o quanto eu queria ter dado a ele um adeus adequado.
Houve uma batida na porta, me tirando do devaneio. O motorista estava aqui, cedo, mas acho que os quatro cavaleiros podem chegar quando quiserem.
Enquanto me levantava para atender a porta, fiquei chocada ao ouvir a chave girando na fechadura. Será que os líderes da Matilha tinham conseguido acesso à minha casa?
Estava prestes a gritar quando vi uma cabeça lamentável espiar pelo corredor.
Ward.
“Mira, oi,” ele disse timidamente.
“O que diabos você está fazendo aqui?”
“Ah, eu, hum,” ele gaguejou enquanto fechava a porta atrás de si. “Eu queria ver se você estava bem.”
Não disse nada.
“Então, você está bem?”
“Eu estou bem? Você está falando sério?” Dei alguns passos em sua direção e o empurrei no peito. “Graças a você, estou prestes a ser banida da minha casa, do meu trabalho, da minha vida inteira! Só porque você não conseguiu se controlar!”
“Ok, espera—“
Continuei empurrando-o, dando tapas leves em seu peito e ombros. “E agora você tem a audácia de aparecer aqui, como se se importasse comigo!”
“Mira, por favor!” ele me agarrou, prendendo meus braços ao meu lado para me impedir de bater nele. “Eu sei que errei, mas se você tivesse apenas ouvido e não surtado na frente da Tessa, você não estaria nessa situação.”
Fiquei chocada demais para responder.
“Ouça,” ele continuou, “não é completamente sem esperança. Acho que tenho uma maneira de te ajudar, algo que beneficiaria nós dois. Uma espécie de... brecha.”
“Uma brecha?” Fiquei ligeiramente intrigada, mas não queria demonstrar.
“Sim,” ele se animou com meu interesse. “Obviamente estou com Tessa, sou o Companheiro dela, mas isso não significa que eu não possa ainda ter você, hum, estar com você.”
Meu interesse estava rapidamente se transformando em nojo.
“Teríamos que ser discretos, mas posso te salvar: se você se tornar minha amante.”
A cor deixou meu rosto, meus olhos ficaram vermelhos, meus punhos se cerraram.
O ar ficou pesado entre nós, como se o tempo tivesse parado.
Quebrei o feitiço cuspindo no rosto dele.
“Eu preferiria passar minha vida no campo com a equipe médica do que voltar com você.”
Mal reconheci a dureza na minha voz.
Virei-me para pegar minhas malas perto da porta, Ward agarrou meu pulso com força e me virou de volta para encará-lo.
“Você sempre foi uma lobinha ingrata e mimada,” seus olhos estavam arregalados de fúria enquanto ele falava. “Sempre tão orgulhosa para uma órfã que agora é uma mulher sem lobo. Uma mulher como você nunca sobreviverá no corpo médico, e mesmo que sobreviva, que homem iria querer você depois disso? Você está destinada a morrer uma velha virgem solitária e amarga.”
Arranquei meu braço, esbarrando em uma cadeira e derrubando minha bolsa médica. Ela se abriu, espalhando seu conteúdo, incluindo um colar brilhante que tilintou no chão de madeira.
“Bem, bem,” Ward disse enquanto pegava o colar, “onde uma médica sem lobo adquire uma peça tão bonita? Isso significa que você já encontrou um novo Companheiro?”
Permaneci em silêncio, esperando que ele não notasse minha própria surpresa ao ver o colar—um colar que eu nunca tinha visto antes na minha vida.
Ward examinou a joia atentamente e, de repente, sua expressão mudou.
"Isso tem o cheiro de um Alfa, Mira", sua voz estava zangada, mas seus olhos estavam cheios de ciúmes.
Pensei em Dominic, meu coração saltando em reação à lembrança de seu rosto, seus olhos, seu desejo de me ajudar se pudesse. Ele deve ter escondido o colar lá antes de eu sair do quarto dele. Um sorriso surgiu no meu rosto e eu encarei Ward. "Isso não é da sua conta", eu disse enquanto pegava o colar de sua mão. "Agora, se você terminou de me ameaçar com suas propostas repugnantes, minha carruagem vai chegar em breve."
"Se você tem alguém novo", Ward zombou, "por que não me conta, conta para todo mundo? Assim você não precisa ir."
Eu o ignorei enquanto voltava a arrumar minha mala.
"Mira, por favor", ele implorou, "nos conhecemos há tanto tempo, você pode me contar qualquer coisa."
"Honestamente, Ward", eu disse, "você não vale meu tempo."
Era como se o universo estivesse olhando por mim, porque naquele momento uma buzina soou do lado de fora. Tempo perfeito.
"Agora, se você não se importa", eu sorri docemente para ele, "saia do meu caminho."
Eu passei por ele e saí pela porta, despreparada para o que encontraria na minha porta.
Uma multidão estava me esperando.
Eram meus pacientes do hospital, do passado e do presente, e eles tinham vindo se despedir de mim. Meus olhos arderam enquanto lágrimas enchiam meus olhos, e eu precisei de toda a força que me restava para não desabar completamente.
Caminhei entre eles, recebendo apertos de mão e abraços, palavras gentis e votos de boa sorte daqueles a quem eu tinha dedicado minha vida para ajudar e curar. Eu não percebi o quanto precisava desses últimos momentos de amor antes de enfrentar o que quer que fosse me esperar.
A buzina soou novamente, e eu olhei para a van escura que estava parada na frente. Dois guardas estavam na frente dela, óculos escuros escondendo seus olhos, mas não suas expressões irritadas.
Pelo canto do olho, vi um flash de rosa e percebi que Tessa havia chegado e estava agarrada a Ward no gramado, parecendo o gato que comeu o canário. Ela estava segurando a barriga, tentando exibir sua gravidez, embora não fosse aparecer por meses.
"Até logo, doutora", lá estava aquele desdém novamente quando ela disse 'doutora', como se a palavra envenenasse sua boca. "Os deuses devem estar satisfeitos em ver uma criatura miserável como você recebendo exatamente o que merece, não é, querido?"
Tessa olhou para Ward, puxando seu braço para forçar sua concordância. Ele olhou de volta para ela e depois para mim, se contorcendo de desconforto, antes de baixar os olhos e acenar com a cabeça em concordância. Como eu poderia ter amado um homem tão patético quanto ele?
Entreguei minha mala a um dos guardas para colocar na van, enquanto o outro abria a porta para mim.
"Você pode esperar um momento?" perguntei ao porteiro. "Há uma última coisa que preciso fazer."
Recebi um aceno curto e caminhei a curta distância para ficar em frente ao casal cansativo, mantendo um sorriso cortês no rosto.
Suspirei educadamente para Tessa, depois dei um tapa forte no rosto de Ward. Sem esperar sua reação, me virei e voltei para a van.
"Você é uma vadia maldita!" ouvi Tessa gritar nas minhas costas, e pude perceber que Ward estava fazendo o possível para segurá-la.
Eu não olhei para trás até que os guardas preencheram o espaço entre nós, não deixando Tessa me atacar, sua carga preciosa.
"Espero que você morra lá fora!" Tessa cuspiu suas maldições enquanto a porta da van se fechava. "Rezo para que aqueles lobos renegados te encontrem e te despedaçem!"
"TESSA!" uma voz rugiu sobre a comoção.
Olhei pela janela para ver um carro de luxo preto que havia parado atrás da van. Todos no gramado congelaram, muitos dos espectadores começando a se afastar do drama que se desenrolava.
Uma porta se abriu, bloqueando minha visão de quem estava saindo do carro. Observei o rosto de Tessa enquanto ela percebia quem estava prestes a dar-lhe uma bronca. Só quando ele ficou totalmente ereto na frente dela eu soube quem era.
Era Dominic.
"Dominic, irmão, eu—" Tessa gaguejou para seu meio-irmão.
"Cale-se, Tessa", ele latiu em seu rosto. "Guardas, liberem a doutora de sua custódia. Mira não vai a lugar nenhum."
"Desculpe, senhor", um dos homens tentou explicar, "mas temos ordens estritas da Luna para levá-la para o corpo médico hoje. Que razão você tem para que ela fique?"
"Porque", Dominic respondeu com voz de autoridade, "ela é minha Companheira."
