Capítulo 2
Ponto de vista de Camille
A casa estava silenciosa, silenciosa demais. Entrei pela porta lateral, trancando-a suavemente atrás de mim. O ar cheirava a polidor de limão e rosas, como sempre. Era estranho estar de volta, como se estivesse entrando na vida de outra pessoa.
A cozinha estava escura, exceto pelo leve brilho da luz da geladeira. Subi as escadas devagar, tomando cuidado para pular o terceiro degrau que rangia. Cada som que eu fazia parecia alto, como se a própria casa estivesse ouvindo.
Quando cheguei à porta do meu quarto, parei. Estava entreaberta, exatamente como eu a deixei todos aqueles anos atrás. Respirando fundo, entrei e fechei a porta.
Meu quarto de infância não havia mudado em três anos. As mesmas paredes rosa claro, os mesmos móveis brancos, a mesma coleção de troféus de segundo lugar. Os troféus de primeiro lugar da Rose costumavam brilhar no quarto ao lado.
Olhei para meu reflexo no espelho da penteadeira, o mesmo onde pratiquei minha maquiagem de casamento três anos atrás, com Rose atrás de mim com aquele sorriso perfeito. Agora meu rímel estava borrado, cabelo selvagem, vestido de grife amassado. Mamãe teria um ataque se me visse assim.
O relógio no meu criado-mudo marcava 22:47. Eu estava sentada ali há horas, empacotando o pouco da minha antiga vida que queria manter. Incrível como dezessete anos nesta casa cabiam em uma bolsa de viagem.
Meu telefone vibrou novamente, pela vigésima vez em uma hora. Desta vez era a Mamãe.
"Camille, isso é ridículo. Volte para casa para discutirmos isso como adultos. Rose está preocupada..."
Desliguei. Claro que Rose estava preocupada. Seus planos cuidadosamente elaborados estavam se desfazendo.
A porta da frente se abriu lá embaixo. Eu congelei, ouvindo passos familiares no chão de madeira. O leve toque dos saltos, o sussurro do tecido caro.
"Camille?" A voz da Mamãe subiu as escadas. "Querida, eu sei que você está aqui. A empregada viu seu carro."
Eu deveria ter estacionado na esquina. Deveria ter sido mais esperta, mais rápida, melhor em desaparecer. Mas eu nunca fui a inteligente, fui? Esse era o papel da Rose.
Mais passos. Uma voz mais grave, Papai, provavelmente chamado do trabalho para lidar com sua filha mais nova histérica. De novo.
"Princesa?" A voz dele tinha o mesmo tom gentil que usava quando eu tinha doze anos, chorando porque Rose pegou meu papel na peça da escola. "Vamos conversar sobre isso."
Um terceiro conjunto de passos fez meu sangue gelar. Mais leves, mais graciosos. Perfeitos, como tudo nela.
"Camille?" A voz de Rose pingava preocupação. "Querida, por favor. Não nos exclua."
Olhei para a foto da família na minha cômoda, tirada no dia em que a adoção de Rose foi finalizada. Mamãe e Papai radiantes, Rose deslumbrante em seu novo vestido, eu aos treze anos tentando sorrir apesar do aparelho e das espinhas. Uma grande família feliz.
Que piada.
A memória me atingiu como um soco no estômago:
"Mas eu pratiquei por meses!" Eu segurava meu roteiro, lágrimas borrando as palavras. "A Sra. Bennett disse que o papel principal era meu!"
Rose tocou meu ombro, gentil como sempre. "Ah, querida. Eu não queria pegar seu papel. Eu só... as palavras vieram tão naturalmente na audição. A Sra. Bennett disse que eu tinha um dom."
Claro que ela tinha. Todo mundo dizia que Rose tinha um dom. Para música, para atuação, para fazer as pessoas a amarem.
"Talvez..." Os olhos de Rose brilharam com aquele brilho especial que sempre significava problemas. "Talvez você pudesse me ajudar a praticar? Ser minha atriz coadjuvante? Poderíamos fazer disso nossa coisa de irmãs!"
Eu concordei. Porque era isso que boas irmãs faziam. Porque dizer não para Rose significava olhares desapontados de Mamãe, sermões de Papai sobre lealdade familiar.
Na noite de estreia, observei dos bastidores enquanto Rose fazia a plateia chorar. Depois, Mamãe comprou rosas para ela. Papai nos levou todos para jantar.
Ninguém mencionou que eu tinha escrito as melhores falas da Rose durante nossas "sessões de prática". Ou que seu monólogo dramático era palavra por palavra o que eu tinha apresentado na minha audição original.
Rose apenas tinha um dom para memorização, só isso.
"Camille Elizabeth Lewis!" A voz da mamãe ficou mais afiada. "Esse comportamento é completamente inaceitável."
Eu abri a porta do meu quarto.
Eles estavam no corredor como um retrato de família perfeito, mamãe com seu terno de grife, papai parecendo distinto em suas roupas de trabalho, Rose exibindo preocupação como a última tendência da moda.
"Olá, irmã." Minha voz saiu firme. "Você não deveria estar consolando seu noivo?"
Os olhos de Rose se arregalaram. Sempre a atriz. "Camille, por favor. Deixe-me explicar..."
"Explicar o quê? Como você tem dormido com meu marido? Ou como você planejou tudo isso desde o começo?"
"O que ela está falando?" Papai se virou para Rose, que já tinha lágrimas se formando. Perfeitas, delicadas lágrimas que nunca borravam sua maquiagem.
"Ela está chateada," Rose sussurrou. "Descontando. Você sabe como ela fica, papai."
"Não." Minha risada soou estranha, até para mim. "Não ouse jogar essa carta de novo. Mostre a eles o anel, Rose. Aquele que Stefan te deu dois meses atrás enquanto eu supostamente estava doente demais para ir ao baile de caridade."
Mamãe engasgou. O rosto de papai escureceu. Mas Rose, a máscara de Rose escorregou por apenas um segundo. Eu vi dessa vez, aquele lampejo de cálculo frio por trás da preocupação.
"Não foi assim," ela começou.
"Ah, não? Então como foi? Explique a todos como você tem me ligado toda semana, me dando conselhos de casamento enquanto dormia com meu marido. Conte a eles sobre todas as vezes que você me ajudou a escolher lingerie para aniversários quando Stefan estava realmente trabalhando até tarde com você."
"Já chega!" Mamãe deu um passo à frente. "Rose nunca..."
"Nunca o quê, mamãe? Nunca mentiu? Nunca manipulou? Nunca roubou algo que pertencia à irmã dela?" Eu tirei meu telefone, reproduzindo a última mensagem de voz do Stefan.
A voz dele encheu o corredor: "Rose é minha alma gêmea, Camille. Tentamos lutar contra isso, mas algumas pessoas simplesmente são feitas para ficar juntas. Você precisa entender..."
O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor.
Rose se recuperou primeiro. "Eu nunca quis te machucar. Não podemos controlar quem amamos..."
O som da minha palma conectando com a bochecha dela ecoou como um tiro.
"Camille!" Mamãe agarrou meu braço. "Você perdeu a cabeça?"
"Não," eu disse calmamente, observando uma marca vermelha florescer no rosto perfeito de Rose. "Pela primeira vez em quatorze anos, estou vendo claramente."
Passei por eles, bolsa de viagem na mão. Atrás de mim, os soluços de Rose começaram, a mesma performance que ela tinha aperfeiçoado ao longo dos anos, virando todos contra mim.
"Onde você vai?" Papai chamou atrás de mim. "Você não pode simplesmente se afastar da família!"
Eu parei no topo das escadas, olhando para trás para minha suposta família. Mamãe consolando Rose, papai parecendo dividido, e minha irmã me observando através das lágrimas com olhos que não tinham calor algum.
"Família?" Eu sorri, e algo na minha expressão fez com que todos dessem um passo para trás. "Não, isso não é família. Isso é um jogo. E por quatorze anos, eu joguei pelas regras da Rose."
"Camille, por favor," Rose estendeu a mão para mim, sempre a irmã carinhosa. "Deixe-me consertar isso."
Eu segurei o pulso dela antes que ela pudesse me tocar. "Você me ensinou bem, irmã mais velha. Sobre manipulação. Sobre paciência. Sobre esperar o momento perfeito para atacar."
Os olhos dela se arregalaram, medo real dessa vez, não encenado.
"Obrigada pelas lições," eu sussurrei, soltando-a. "Agora veja como eu aprendi bem."
Desci as escadas, ignorando os chamados deles. No espelho do hall, vi um último vislumbre de mim mesma, com rímel borrado, olhos selvagens, finalmente livre.




























































































































































































































































